Escritores Fantasma
- PJ Vulter
- 12 de out. de 2018
- 3 min de leitura

Hoje sinto-me desinspirado.
Não sei que vos diga, a não ser que sou humano e que também tenho os meus momentos de fraqueza, desesperança...
Tal como todos vós, trabalho das 9h às 18h, mas para além desse trabalho também escrevo; e não estou só a falar destes textos que publico às sextas. Eu sou um escritor, não um blogger, e um escritor escreve histórias. E, para que isso seja possível, as minhas manhãs começam bem mais cedo; levanto-me às 6 da manhã para que a partir das 7, e até às 8.45 - se tudo correr bem -, possa trabalhar no livro que estou a escrever. Para além disto, há, depois, todo um trabalho de revisão e reescrita dos textos para aprimorar detalhes e torná-los versões finais dignas de se denominarem livros; um trabalho que tem que ser feito fora de horas. E há também, e ainda, estes textos que vos dou a ler semanalmente e que também têm o seu tempo de produção; não só na escrita e revisão, como também nos aspectos de ilustração.
Falo disto, não só porque há uma tendência genérica para que as pessoas olhem para os conteúdos da Internet como necessariamente gratuitos, mas também porque há um desconhecimento profundo do trabalho de um escritor; publique, ele, online ou não.
O textos publicados online, podendo ser gratuitos, deram trabalho a construir; e, pelo menos, esse trabalho deve ser respeitado e não olhado como algo que apareceu com um simples estalar de dedos, porque não foi assim que isso aconteceu. Muitas vezes, um simples - e, por vezes, pequeno - texto, implica horas de trabalho; textos mais longos, dias. Mas não é isso que se passa. Conheço casos de pessoas que publicavam gratuitamente e recebiam imensos feedbacks positivos, mas que depois, quando começaram a querer valorizar o seu trabalho, quando começaram a pedir contribuições por ele, toda a gente desapareceu; já para não falar das reações ofensivas que ocorreram. Parece que se instalou a ideia de que se está na Internet tem de ser gratuito...
Quanto aos textos publicados fora da Internet, além de serem mais longos, existe um vasto trabalho de pesquisa a ser feito, de escrita e reescrita, de revisão, de recomeços atrás de recomeços, de recolha de opiniões fundamentadas ou meramente empíricas; para além dos esforços pessoais que se têm de levar a cabo para conseguir fazer tudo isto - que se faz antes, depois e durante o processo de escrita que, por si só, pode levar meses ou anos.
Por isso, quando alguém se diz escritor, não olhem para ele como se fosse só alguém que escreve umas coisas, porque isso não é ser escritor. Umas coisas todas nós escrevemos; mas será escritor quem escreve notas, recados, ou um email de trabalho?
Creio que nesse ponto todos estaremos de acordo...
Pode ser que - levando a sério a noção anglo-saxónica de Writer - todos sejamos escritores, mas dedicaremos, todos nós, o mesmo tempo a um texto, empenhar-nos-emos todos, da mesma maneira, para que ele tenha uma certa melodia, um certo ritmo e chegue às pessoas de uma determinada forma? Estaremos todos dispostos a investir dias da nossa vida, a perder horas de sono e a abdicar de momentos em família para concluirmos um texto que queremos que o mundo leia?
Eu creio que não.
E desenganem-se se pensam que o livro que têm agora na vossa mesinha de cabeceira, ou ao lado da poltrona onde leem, foi construído sem suor, sangue e lágrimas, ou que o escritor não teve de vencer uma maratona, uma corrida de 100 metros obstáculos... Todo o livro concluído, implica um escritor que saiu vitorioso de inúmeras batalhas; travadas essencialmente no seu interior, onde teve de enfrentar todos os seus monstros. Nenhum escritor sai impune do processo narrativo, porque nele deixa exposto muito de si - ainda que de tal não se aperceba - e evolui; transmuta-se em alguém melhor. E por isso, quem ler aquele livro, vai conseguir chegar lá, a onde ele chegou, mas muito mais depressa e com menos sofrimento.
Um escritor não é alguém que escreve umas coisas, é uma pessoa que escreve histórias para com elas ajudar os outros, o mundo, e também - porque não - a si próprio.
Já é altura de se começar a valorizar o trabalho dos escritores, porque os livros - e os textos que aparecem na Internet - não são escritos por fantasmas...
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