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Série Talento - Episódio Um

  • PJ Vulter
  • 22 de nov. de 2017
  • 6 min de leitura

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Descobri recentemente que a Fundação Calouste Gulbenkien teve, há uns anos, um colóquio sobre o talento. Sim; eu também fiquei espantado!

Eu – como decerto já se aperceberam – sou um defensor acérrimo do direito à existência do talento e um forte detrator de todas as correntes apologistas da sua inexistência. Por isso, foi com alegria que vi que uma instituição, como a Fundação Calouste Gulkenkien, deu espaço à discussão do talento – ainda que num quadro meramente conservador.

Este evento discutiu a existência do talento no âmbito das empresas e ciências, tendo deixado – talvez para outras núpcias – a discussão da sua existência nas artes. No entanto, uma questão fica: terá mesmo sido assim, ou terá tão ilustre e representativa Fundação partido do princípio de que o talento nas artes nem é discutível, pois é pressuposto que exista?

Não sei. Todavia, considero que esta discussão deveria ser alargada ao talento nas artes, pois existe um preconceito estabelecido contra o talento - e principalmente nas artes. Na verdade, dizer que se tem talento é tão mal visto que as pessoas, mesmo as que se sabem talentosas, não o dizem e preferem esconder-se sob a imagem de uma pessoa esforçada e trabalhadora; como se o sucesso só pudesse advir de um esforço enorme, sacrifício, trabalho e dor.

Não deixa de haver aqui uma certa ironia…

O conceito de talento é, na sua génese, um conceito do campo das artes; ainda que esta visão seja muito limitativa, pois o talento é transversal a tudo o que existe. Acho, por isso, muito bem que se fale do talento na ciência e no campo empresarial, pois ele existe. No entanto, o problema da existência do talento, e a origem do preconceito sobre o mesmo, pré-existe… O que é que eu quero dizer com isto?

O problema, o grande senão, aquilo que exaltou um conjunto tão grande de pessoas que resultou na ostracização do talento, foi a ideia de que o talento é um dom, ou uma capacidade inata, pré-natal, uma espécie de dádiva divina. Esta conceptualização trouxe o talento para o campo da religiosidade e espiritualidade e como tal – ainda que erroneamente, na minha opinião – tornou o talento em algo a abater, como tudo aquilo que não advenha da produtividade e meritocracia.

Não me interpretem mal. Eu sou a favor de meritocracia e da produtividade como veículos para o sucesso; mas entre iguais. Ou seja, para que meritocracia e a produtividade sejam veículos de sucesso que distingam umas pessoas das outras, elas têm de esta em condições de igualdade no que respeita àquilo em que serão distinguidas e é aqui que entra o talento.

Nos últimos 60 anos, mais coisa menos coisa, o mundo cresceu em torno de ideais belos e valorosos. Falamos de igualdade, em todos os campos, da ideia de que é o trabalho que valoriza o Homem e de que só com esforço - se possível em lágrimas e suor - é que se atinge o sucesso. E, como é apanágio da humanidade, isto generalizou-se a todos os campos - o que nem é mau, pois trabalha a fé das gentes; no entanto, é um processo falhado, tão somente porque os exemplos de que as coisa não são assim, de que sucesso não pode vir só do trabalho e do esforço, estão à vista de toda a gente. (fim parte_1)

Quantos de nós, em qualquer área da nossa vida, temos a consciência de que nos esforçámos diariamente em alguma coisa, que trabalhámos afincadamente nessa coisa, mas que quando chega o momento do reconhecimento, do sucesso, vimo-lo passar ao lado, para um colega, um amigo ou até um desconhecido?

O que é que se passou?

A resposta normal, na ponta da língua, é: "Ah! Ele deve ter-se esforçado mais...»...

E eu pergunto: como é que se mede o esforço?

Quem é que tem a bitola para poder dizer que tu, que passaste 10 horas por dia a desenvolver o teu projecto, perdeste horas de sono e perdeste momentos com a família, não te esforçaste o suficiente?

O que é que poderias fazer mais?!

E o pior, ainda, é quando tu sabes que quem foi reconhecido até nem se esforçou tanto como tu...

O nível de esforço, tirando o esforço físico que é mensurável, é uma medida empírica e, como tal, deveria ser arredada de qualquer justificação. O esforço empregue numa ação está dependente de muitos factores: das condições de vida de cada um; das condicionantes sociais de cada um; das crenças de cada um; dos saberes de cada um... Na verdade, o esforço que cada um de nós tem de realizar para concretizar uma tarefa está dependente de uma série factores, muitas vezes inumeráveis e desconhecidos. Não é injusto dizerem-te que não tiveste sucesso porque não te esforçaste o suficiente?!

Quando completei os meus 15 anos, estava em vias de reprovar de ano. Eu havia eleito a informática como o curso que queria seguir, apesar de todos testes de orientação profissional me indicarem a contabilidade, mas acabei por entrar num curso de eletrotecnia. Depois de um ano de esforços e lutas, eu simplesmente não conseguia atingir os resultados necessários, a nível da componente nuclear do curso, para passar. Havia um colega, e amigo, meu que estava na mesma situação que eu. As dificuldades eram as mesmas e, expectativamente, o resultado de um seria o do outro. Mas não foi: ele passou e eu não.

É claro que houve quem me dissesse que eu não me esforçara o suficiente, que eu não estudara o suficiente; no entanto, em nove disciplinas eu passei em seis, e com notas altas, e só reprovei nas três disciplinas específicas do curso... O que se passou?

Isto, meus amigos, resumiu-se à questão de Talento.

Não só eu não estava e estudar naquilo que havia sido identificado como o ideal para mim - contabilidade - como o meu colega sabia conversar com as pessoas; e muito melhor do que eu. Ou seja, não só as minhas competências não eram as mais indicadas para eletrotecnia e, por isso, tudo o que eu fizesse teria de o fazer com muito mais empenho e esforço do que a média, e talvez com mais tempo; como também, quando chegou o momento de apelar à boa vontade dos professores, o meu amigo teve melhor sucesso do que eu.

Portanto, eu reprovei, porque não tive talento nem para o que estudava nem para convencer os professores de que merecia uma nova oportunidade. É simples. Para quê estar com conversas sobre o esforço e o empenho?

Porque motivo tem uma pessoa que prosseguir um caminho de tortura para seguir uma profissão, ou uma carreira, onde até constatará que não é feliz, quando tem outra em que poderá consegui-lo muito mais facilmente e em que a felicidade é quase garantida?

Simplesmente, porque generalizou-se a ideia de que o sofrimento é necessário e normal; de que o trabalho não é para te agradar; de que a vida é tristeza e sofrimento; e de que só alguns têm a sorte de poderem trabalhar naquilo que gostam. Mas sabem uma coisa? (Parte 2_ fim)

Não é sorte nenhuma; é coragem.

Essas pessoas tiveram a coragem, e a sabedoria, de olharem para dentro delas e perceberem qual era o seu talento, ou talentos, e seguiram-nos; independentemente do que o mundo lhes dissesse. Porque o talento não se escolhe, tem-se, reconhece-se e alimenta-se.

Infelizmente, a maior parte de nós não tem nem essa coragem nem essa sabedoria; mas tem esse apelo. Por isso, procuramos o nosso lugar no mundo; mas é uma procura mal dirigida. Procuramos o que gostaríamos de ter na vida e depois tendemos a imitar aqueles que o têm. E depois, em vez de alguém nos chamar à parte e dizer «Olha lá! Não achas que se calhar farias melhor outra coisa?», não; o que acontece é dizerem-nos, em frente a toda a gente, «Vai lá! Se aquele conseguiu, tu também consegues: esforça-te, luta, e vai atrás do que queres! Ele não é mais do que tu...».

E, de facto, somos todos iguais, mas a nossa apetência natural pode facilitar os caminhos para alguns lados e dificultar para outros...

Poderão estar a perguntar-se: «Então... E aquela conversa do talento ser confundido com um dom divino; de ter sido isto que levou as pessoas a ostracizarem o Talento, e tal?»

Se bem se recordam, eu disse não concordar inteiramente com isso.

A verdade é que depois de ter reprovado eu resolvi ir para contabilidade e - digo-vos - foi das melhores decisões da minha vida. Porque, de repente, estava a aprender coisas de que gostava e entendia, fazia projectos para o meu futuro, e até os meus colegas de turma eram mais semelhantes a mim; estava no meu lugar.

Se o Talento não é inato, como é que isto é possível?

Ou seja, se o Talento não vem connosco, como é que existe um teste capaz de identificar qual é o melhor curso para ti?


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