Serie Talento: episódio 3
- PJ Vulter
- 6 de dez. de 2017
- 6 min de leitura

Não seria estranho um mundo onde todos fossem artistas?
Afinal, quem produziria as restantes coisas necessárias para a vida: as roupas, os alimentos, os medicamentos, a tecnologia?
Portanto, há que acabar com a ideia de que a única forma de ter uma vida de sucesso é seguindo o caminho das artes, porque há um enorme campo de possibilidades onde, explorando os nossos talentos, as nossas apetências genéticas, poderemos ter um sucesso enorme.
No entanto, as artes não devem ser esquecidas. Sim, tu que queres ser cantor, ou futebolista, ou escritor; tu podes estar certo.
«Ah! Não estou a entender... Então dizes que se deve acabar com a busca do sucesso pelas artes...»
««Espera! Vou interromper-te já aí!»»
Aquilo que eu defendo é que o Talento existe. O que não existe é esse mito de que com esforço árduo, muito trabalho e dor, tudo se consegue, pois para isso ser verdade teria de se pressupor que todos nascemos com as mesmas apetências genéticas e, isso, já a ciência demonstrou não ser verdade.
Portanto, encasquetar na cabeça que se quer ser uma coisa, só porque, quem o é, tem isto e aquilo, coisas que tu também queres ter, é um erro tremendo, porque se não tiveres Talento - que é aquilo que te distinguirá dos outros para aquela tarefa específica a que te propões -, por mais que lutes, os resultados serão - no máximo - medíocres e não terás nada daquilo que desejas. Além disso, deixo-te um desafio: já paraste para pensar se, esse teu ídolo, é inteiramente feliz?
Deixa-me que te diga que ninguém é inteiramente feliz; há sempre coisas que nos trazem tristeza. Mas o que é importante aqui, neste desafio, é sensibilizar-te para o facto da existência de coisas, sobre a vida do teu ídolo, que tu não sabes e, reformulando o desafio; perguntar-te: gostarás dessas coisas, ou serão essas coisas tão desagradáveis, para ti, que preferirias não as teres sentido?
Porquê fazer este desafio?
Porque, quando temos verdadeiro Talento para algo, também as coisas menos agradáveis serão mais toleráveis...
Mas vamos voltar à questão... As artes.
Penso que já é evidente para todos que o Talento existe em todos os campos; não só nas artes. E é por isso que as pessoas devem deixar de procurar só as artes para exprimirem os seus talentos; pois pode bem dar-se o caso de lá não os encontrarem. A busca pelo Talento é uma busca interior, dentro de cada um de nós, e quando o encontrarmos deveremos alimentá-lo e explorá-lo para que se possa desenvolver. E este é um processo universal. Por isso, um artista, também passa por ele. O que eu quero dizer é que, da mesma forma, que quem busca o sucesso dever alargar o campo de hipóteses para lá da artes, também não as deve arredar delas como se fossem uma praga. No entanto, ao perceber que por ali não é, tal como o pode perceber pelo exploração da ciência ou da matemática, não deve insistir; deverá continuar a sua jornada de exploração interior.
«Até quando?», perguntarão.
Não há uma idade pré-determinada para se encontrar o Talento; ele poderá surgir cedo, logo nas brincadeiras de criança, ou pode surgir muito mais tarde - às vezes depois de uma vida inteira de buscas. E porque razão será assim?
«Porque algumas pessoas nascem com o dito virado para a lua...», dirão.
Não.
Por causa do ruído...
O mundo à nossa volta faz tanto alarido para umas coisas, e tão pouco para outras, que nós - sem que disso nos dêmos conta - somos sintonizados numa determinada direção, numa espécie de programação subliminar, e, quando damos por ela... Bom, quando damos por ela, percebemos que passámos anos a tentar pescar no deserto; sim, acho que esta metáfora serve perfeitamente para ilustrar a ideia de estarmos a tentar fazer uma coisa no local errado.
Este ruído é propagado por imensas coisas: os media, que passam o tempo a mostrar-nos os sucessos dos famosos - artistas, de uma forma ou de outra, na sua maioria; os nossos pais, que alimentam o sonho de verem os seus filhos, e filhas, crescerem e tornarem-se naquilo que eles não conseguiram - fosse porque razão fosse; os nossos próprios sonhos, que, muitas vezes, são somente a expressão dos nossos desejos mal aspectados, dos nossos medos, dos nossos fantasmas, e da pressão que sentimos para não desiludir os pais - lembrem-se de que não queremos desiludir quem nos sustenta; etc - o que não falta são fontes de ruído.
Alguns de nós têm a felicidade de nascer com uma apetência para nos centrarmos no que interessa, é um Talento como outro qualquer; e são esses que se conseguem escudar dos ruídos, porque cedo percebem que são ruídos - aquilo que ouvem - e não a sua voz interior; e, por isso, perseguem o desenvolvimento dos seus talentos, cedo também. Outros, a grande maioria, como eu, sofrem de uma certa falta de confiança no seu eu interior e isso faz com que prefiram acreditar no que os ruídos lhes dizem a arriscarem-se a ignorá-los. E são esses, na sua maioria, que vão atrás da vida de sonho dos artistas ou dos projectos dos pais para eles...
Não me levem a mal, os pais. Os pais estão a fazer o seu melhor; não têm consciência do que fazem, porque, muitas vezes - a maior parte delas, para dizer a verdade -, este processo, é um processo que tem no lugar no subconsciente e a níveis muito profundos. Os pais sempre buscam o que, no seu entender, é o melhor para os filhos; jamais se ponha isto em causa.
E, também, não me levem a mal, os media. Porque os media são fontes de lucro e procuram dar ao público o que eles querem ouvir. Ainda que, sobre este aspecto, muito mais houvesse para dizer; pois sou da opinião que os media, há muito, se afastaram do seu caminho original. Mas, isto, poderá ficar para depois; talvez para outra série...
Voltando ao Talento, o que importa reter, é que todos temos Talento, ou talentos, e que as artes não são o seu único campo de expressão. No entanto, todos nós, seja com que idade for, temos de empreender essa jornada interior de descoberta, aprender a distinguir a nossa verdade dos ruídos do mundo e encontrar o nosso lugar na existência, porque só pela exploração dos nossos talentos, daquilo que viemos apetrechados, genéticamente, para fazer, poderemos almejar ao sucesso na vida.
Por isso, todos nós devemos olhar para dentro de nós, que é onde está a verdade, e perceber se o trajecto que traçámos faz sentido - se vibra dentro de nós; devemos procurar conhecer bem ao que nos propomos e perceber se estamos dispostos a lidar com os infortúnios - eventuais - que poderão advir da exploração daquele que achamos ser o nosso Talento, ou talentos, e, só quando a resposta for francamente positiva, prosseguir.
Quanto tempo levará este processo ou quando saberemos que lá chegámos?
Não sei...
Mas uma coisa é certa, quando encontrarmos o nosso Talento saberemos que o encontrámos.
E agora, que tomámos consciência de algumas coisas, vamos lá acabar com os meninos e meninas que desafinam, persistentemente, nas escolas de canto; com as meninas e meninos que, em vez de jogar futebol, nos treinos, fogem da bola; com os jovens que querem ser chefes de equipa, mas que mal sabem organizar o seu trabalho; com as crianças que querem ser dançarinas, mas que não fazem mais nada do que abanar o rabo como os cães; com as gentes a encher as editoras com originais cheios de erros, sem melodia, sem voz...
Parece cruel... Dito assim; parece, não parece?
Pois é isto que pensam a maior parte das pessoas que assistem a atuações - seja de que espécie for - sem talento. No entanto, não o dizem e não o expressam de nenhuma maneira. Porquê?
Porque é mal visto. Porque criou-se esta ideia utópica de que todos somos iguais - quando não somos; e que, por isso, todos deveremos poder fazer o que queremos fazer, pois com trabalho e esforço tudo se consegue. E existe um erro grande nesta premissa: confundiu-se a ideia de igualdade de direitos com a ideia de igualdade de capacidades.
O que todos temos - ou deveremos ter - são os mesmos direitos. E que direitos são esses?
Entre outros, o direito de prosseguir o nosso caminho na exploração dos nossos talentos; deixem, portanto - quem o tenta -, de querer condicionar as escolhas que somente cada um de nós tem a habilidade de fazer.
«Ah! E não sei quê... Mas não é isso que estás a tentar fazer?!»
Não. Deixem a criança desafinar umas quantas vezes, mas depois expliquem-lhe que ela não canta bem; se forem capazes. É que se foram os pais os principais entusiastas da carreira de cantora da criança, não o farão; a não ser que disto tudo tenham tomado consciência. E isto é igual para tudo o resto...
Eu acredito no Talento, e que o trabalho árduo pode distinguir-nos, mas entre iguais. O que eu não posso é continuar a deixar que acreditem que o trabalho árduo pode substituir o Talento, porque isso é uma das maiores farsas que se inventaram.
E, para terminar, deixo-vos com isto:
O nosso principal, e primeiro, Talento, é sabermos aquilo que viemos fazer a este mundo. Por isso, acredita em ti; em ti e não no que os outros te dizem, pois só tu sabes se estás no caminho certo.
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