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Velhacos, embusteiros... Quem?!

  • PJ Vulter
  • 15 de dez. de 2017
  • 5 min de leitura

É frequente, de vez em quando, depararmo-nos com coisas que nos aperreiem. E, a minha primeira ação, costumava ser reagir; se algo me apoquentava, me amofinava e me ofendia de alguma maneira - mesmo que não entendida - partia para o ataque brandido todas as armas que estivessem ao meu dispor. Com o anos, fui percebendo que isto era um erro e que ninguém deveria partir para uma guerra de cabeça quente, pois vai mal preparado e - muitas vezes - vai desnecessariamente. A primeira batalha dessa guerra - se eventualmente tiver que ser - tem que ser travada connosco próprios; o que é que nos move?


Quais são as razões porque nos ofendemos?


Porque motivo ficámos tão zangados?


A primeira estratégia de batalha deverá ser procurar a razão profunda da nossa ofensa. Se é comum ficarmos ofendidos com coisas semelhantes, por exemplo?


O que é que nos ofende, de facto: o que foi dito, feito, escrito; ou aquilo que nós ouvimos, vimos ser feito, ou lemos nos fez concluir sobre nós próprios?


E, por fim; com quem realmente estamos zangados: com quem o fez; ou connosco?


E hão de perceber - com o tempo, é claro -, e tal como eu, que, com a mesma frequência com nos sentimos aperreados, concluiremos que estamos ofendidos connosco próprios, porque alguém - inocentemente - exprimiu uma opinião e com ela nos expôs; mostrou-nos algo, sobre nós, com o qual não estamos inteiramente satisfeitos. E, quando assim é, deveremos recolhermo-nos e repensarmo-nos.


Outras vezes, claro está, teremos razão; alguém nos ofendeu, de facto, e isso merece uma reação.


Mas, neste momento, não sei em que ponto estou.


Li, recentemente, uma entrevista a um escritor de renome, feita por um jornalista - também ele de renome - que também escreve livros. E, a uma pergunta sobre a natureza do seu trabalho, o escritor respondeu sucintamente de uma forma que me ofendeu, me aperreou e me amofinou; e o jornalista concordou com ele. Isto apoquentou-me tão mais, porque sou um admirador de ambos, são duas pessoas que aprecio muito como escritores e - acreditava - admiro enquanto pessoas, pois a escrita - na minha humilde opinião - reflete, ou deveria refletir, a natureza profunda de cada um...


Não quero aqui referir nomes, até porque as personalidades em questão apenas serviriam de distração, porque o essencial é o que por elas foi dito. E recordando as estratégias sobre as quais, acima, escrevi; eis as minhas conclusões: o meu nível de ofensa está relacionado com o que foi dito e escrito, mas foi maior pela minha relação emocional com os emissores da opinião; estou certo de que se fossem outras pessoas - pessoas que para mim nada significassem - aquilo cairia no esquecimento ou - como diria o povo - «em saco roto». No entanto, por serem aquelas duas pessoas a pensar assim, eu tive de refletir...

E, como resultado dessa reflexão, acabo por concluir que não posso sentir-me surpreendido, nem espantado e ... Bom; quanto ofendido, ainda não sei.


Lembrando algumas entrevistas dadas pelo escritor, confesso que fui-me sempre sentindo um pouco desiludido. E lamento-o, porque adoro o que ele escreve; as suas personagens, por exemplo, são de uma profundidade e riqueza pouco vistas e os seus diálogos são deslumbrantes. Todavia, as suas palavras sobre a realidade dos nossos dias, sobre o que ele pensa sobre as coisas, mostraram-me sempre um homem zangado com o mundo, pouco flexível, alguém para quem só existe, sempre, um caminho - o dele - e que parece pouco disposto a conceder espaço para discussões. Estou certo de que tem as suas razões para ser assim; e não ponho isso causa. Contudo, acho que todos nós devemos refletir sobre as coisas, tentar perceber as razões dos outros, e admitir que podem haver duas formas - pelos menos duas, embora possam existir sempre mais - para se estar na vida, sem que alguma delas esteja errada. E, a sensação que tenho, à medida que vou conhecendo mais este escritor, é que para ele não é assim: só ele sabe o que é viver a vida. E não contesto isto, enquanto ele se estiver a referir à sua própria vida, mas jamais poderei anuir quando ele acha que a forma como ele viveu, e vive, a sua vida é a única forma possível para o mundo. Pergunta-se necessariamente: se assim é, porque é que ele se tornou numa pessoa tão zangada?


Por isso, acho que alguém assim jamais poderia pensar a escrita de romances como algo globalizante, de serviço ao mundo e aos outros; para ele a escrita de romances só pode ser algo egoísta, para servi-lo a ele. E, é claro, como dono da verdade, não pode permitir que hajam outras formas de encarar a escrita de romances, pelo que ataca todos os outros que pensam de outra forma.


Ele - o escritor - diz e cito: «Não sou um intelectual. Sou um romancista que conta histórias. Não escrevo para fazer o mundo melhor, escrevo porque me sinto assim - e é assim. É que um romancista não tem uma missão. O artista que acredita que diz trabalhar para tornar o mundo melhor mente como um velhaco, é um demagogo e um embusteiro.». E foram estas as palavras que me ofenderam...


Concordo em parte com elas, mas discordo inteiramente da mensagem no seu todo.


É verdade que ninguém se senta para escrever um romance com o propósito de curar um mal do mundo; no entanto, à escolha do tema, subjaz - sempre - uma inquietação pessoal que é - necessariamente - social e do mundo. O mundo da literatura está cheio de parábolas, metáforas, comparações e paradigmas, formas diferentes de contar - muitas vezes - a mesma história, sobre os mais variados temas. E, o que reflete isso, se não uma preocupação com o mundo e com as pessoas que nele vivem?


Que escritor poderá, em bom juízo, dizer que não preocupa com o mundo onde vive, se é sobre ele que escreve?


Que escritor poderá, em bom juízo, dizer que não sente ter uma missão quando escreve recorrentemente sobre os mesmos temas?


Que escritor poderá, em bom juízo, dar-se ao trabalho de escrever um romance se não achar que com ele poderá tornar o mundo melhor; ajudando uma pessoa de cada vez, se possível, e começando - talvez - por si próprio?


O mundo melhora-se pessoa a pessoa e não numa ação global; e fazer sorrir uma criança, por exemplo, é já um passo para isso...


É claro que nenhum escritor tem consciência disto quando escreve as primeiras linhas; ou até quando põe o ponto final. No entanto, é impossível que não a tome; a não ser que olhe para a sua escrita com o desdém de quem se odeia...


Dito isto, tenho de perguntar: quem é que é o demagogo, o velhaco e o embusteiro?



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