top of page

Por cortesia...

  • PJ Vulter
  • 5 de jan. de 2018
  • 4 min de leitura


Contava-me o Manuel, a semana passada, que o ano acabara-lhe mal; não mal mal, mas tivera uma surpresa com a qual não contava; e não era bem o caso de não contar, era mais o caso de não esperar aquilo exatamente, ainda que o receasse...


Estava cabisbaixo, o Manuel, e parecia-me mesmo que aquilo - fosse lá o que fosse - mexera com ele; e, curiosamente, até acho que estava a mexer mais do que o próprio Manuel esperava.


- Fui despromovido! - disse-me, ele, naquela sua forma simplista de pôr as coisas que, depois se veria, de simples pouco tinham; mas é assim o Manuel. - E ainda por cima só fui avisado «Por cortesia...». Achas normal?


- Mas como assim? - perguntei-lhe, eu.


- Exatamente.


A resposta do Manuel ainda me deixava mais confuso. Mas pressupus que aquele «Exatamente» fora a sua melhor forma de dizer que ainda não entendera o que lhe acontecera.


O relato do Manuel foi sucinto. No final de uma manhã, fora chamado ao gabinete da chefe - ele os seus colegas -, e, depois de uma conversa da treta, introduzida pela história do «Por cortesia(...)», sobre um conjunto de situações com as quais - realmente - nada tinham que ver e que somente a cortesia poderia explicar, fora-lhes largada a bomba: iria haver uma reorganização na empresa e, como consequência, eles seriam despromovidos.


Houvera quem se insurgisse de imediato, visivelmente transtornado, incapaz de conter a indignação, mas o Manuel levara algum tempo a digerir o que ouvira; contudo, acabara também por dizer que se sentia indignado com aquilo, ainda que não o surpreendesse de todo, dados alguns sinais que fora captando ao longo do último ano.


- E o que disse a tua chefe? - quis eu saber, curioso.


- Desdramatizou tudo. Disse que nada mudava, que nós eramos muito importantes, e ia continuar tudo na mesma, blá, blá, blá...


- Então, porquê a despromoção?!


- Necessidades da organização.


Nessa altura, o Manuel respirou profundamente e, depois de olhar as mãos, como que envergonhado, fitou-me e explicou-me que era possível que ele tivesse exagerado um pouco as coisas. Aquilo já acontecera há uns dias e, entretanto, a sua indignação arrefecera; mas na altura fora muito difícil de lidar com a notícia.


- Na verdade, isto pouco me importa - dizia-me, ele. - Eu vou continuar a fazer o meu trabalho da mesma maneira, vou continuar a receber o meu ordenado; e acredito que a minha nova chefia será uma mudança positiva. E eu sei e compreendo que, por vezes, há necessidades de reestruturações... Os trabalhadores pouco mais são do que peças de engrenagem e são colocados onde são necessários. Mas...


O que custava ao Manuel - o que custava mesmo - era a injustiça velada daquela despromoção e a incoerência que ela representava na cultura da empresa onde trabalhava; isso e saber que pouco mais poderia fazer do que respingar.


- Eu fui promovido há mais de 7 anos; bem vês - explicava-me depois. - Quando entrei para esta equipa foi-me garantido que não perdia a minha posição hierárquica e, agora, sem nenhuma outra justificação que não as necessidades da organização, sou despromovido.


- E precisas de mais alguma?! - provoquei eu.


Não me levem a mal. Eu conheço o Manuel há muitos anos. E o Manuel é o primeiro a admitir que eu tenho razão, porque ele é uma pessoa muito inteligente e alerta e sabe bem das coisas.


- Tu sabes que não, Manuel. Caramba! Se fosse eu a contar-te isto, já me terias calado com duas ou três das tuas máximas. Tu és uma peça num jogo de xadrez, um peão possivelmente; és movido para onde bem entendam.


- Tens razão - volveu de imediato. - Mas não está certo! Principalmente, porque, supostamente, aquilo que eu ambiciono para a minha carreira importa para eles. E agora, de repente, sou despromovido, sem que nada disso seja tido em consideração. E não posso fazer nada acerca disso!


O meu amigo Manuel estava magoado e a sentir-se impotente. Por isso, dediquei-lhe algum tempo, entre dois copos de whisky - porque estávamos nas Festas e as exceções estavam na ordem do dia -, procurando animá-lo, demonstrando-lhe que nem tudo era mau e que era o começo de um novo ciclo para ele; talvez melhor.


Não sei se o ajudei, ou não, porque enquanto saía dizia-me, naquele tom ponderado de quem já dedicara muitas horas ao assunto:


- Sabes de uma coisa... - Sorriu, virando-se para me encarar de porta na mão. - De há muitos anos para cá, todas as minhas alterações profissionais correram mal; não vejo por que há de ser diferente com esta. Contudo, em todas as outras, antes, em pude escolher; nesta não! - Encolheu os ombros. - Não sei se gosto disso... E talvez não goste de nada do que me tem vindo a acontecer! Bom... - Estendeu-me a mão e eu apertei-a com apreço. - Obrigado pela paciência, amigo! - Sorriu com uma piscadela de olho. - E sei que estás aí a pensar se me ajudaste, ou não... - Assentiu ao meu sorriso. - Para te deixar mais descansado, deixo-te uma máxima que talvez nem tu me conheças: as coisas só nos acontecem, e continuam a acontecer, enquanto nós permitirmos que aconteçam...


E com aquela tirada, o Manuel, que era uma pessoa de tiradas, máximas e citações, afastou-se e, com o braço estendido no ar e uma voz - até - bem disposta, ainda me atirou com um «Feliz Ano Novo!». E eu, ainda sem saber se o ajudara ou não, embora certo de ter feito o meu melhor, fiquei a vê-lo a apequenar-se, desaparecendo no horizonte que se ia agigantando e preparando para devorar mais um ano; dali a algumas horas entraríamos em 2018.

Comentários


Posts Recentes
Arquivo
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
bottom of page