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O Renascimento do Manuel

  • PJ Vulter
  • 23 de mar. de 2018
  • 6 min de leitura


O Manuel passou lá por casa no outro dia. Vinha com um sorriso de orelha a orelha e eu - admirado com aquilo - deixei-o entrar; além disso, era o Manuel e o Manuel era sempre bem vindo.


Contou-me que tivera uma experiência do outro mundo e que achava que eu deveria fazer o mesmo; só que agora só poderia ser para o ano que vem.


- Já ouviste falar da cultura Celta? - perguntou-me e eu disse-lhe que sim: é claro que eu conhecia a cultura Celta. - E sabes aqueles rituais que eles faziam?


- Não em detalhe; mas sim.


- Ontem foi o equinócio da Primavera e, de acordo com cultura Celta, costumava-se fazer um ritual para dar as boas vindas à Primavera; um ritual para celebrar o renascimento, a fertilidade... - Assentiu feliz e, de novo, rindo. - Sabias que para a Astrologia, o novo ano, só agora começou? - Foi a minha vez de assentir. - E faz tudo muito sentido... Se é agora que tudo começará a nascer é agora que tudo começa; é agora o princípio... - Calou-se pensativo. - Que sentido faz que o começo do ano seja no momento em que tudo gela; por assim dizer? - Abanou a cabeça muito convicto. - Não faz sentido nenhum!


O Manuel deixou-se embalar e confessou-me as suas reflexões. Para ele, muito sucintamente - claro está - para não nos alargarmos, todos estávamos a ser vítimas de uma manipulação subtil. Ele considerava que os povos do passado é que estavam certos na forma como viviam a vida, na forma como respeitavam a Natureza e seguiam os seus ritmos.


- Hoje - dizia, o Manuel, - passamos o tempo a tentar controlar as coisas. Parece loucura, mas parece que achamos que podemos dobrar a Natureza à nossa vontade. E, apesar das provas em contrário, parece que não aprendemos...


Depois, continuou no seu prelado.


Eu gostava muito de ouvir o Manuel. O Manuel era daquelas pessoas cuja voz - tom e cadência - nos nutria, envolvia e embalava; era um orador nato. E, além disso, não era nenhum tonto; sabia do que falava...


E continuou, o Manuel, a dizer que à medida que a humanidade evoluía - tinha essa sensação - se perdia no caminho; mas não por sua culpa. Perdia-se porque era mal instruída e era levada a fazer, a optar e a acreditar noutra coisas que serviam os interesses de alguns, mas não os de todos.


- Eu sei que isto parece coisa das teorias da conspiração... - disse, ele, depois de se travar. - Mas se pensares bem, se olharmos para estes rituais, como aquele de que te falei, veremos que todas as civilizações antigas os tinham; mudavam-lhe os nomes, as divindades, inseriam-lhe particularidades da sua própria cultura, mas na essência eram a mesma coisa. É como a história das pirâmides, que existem por todo o mundo... Estamos a falar de Povos e Culturas que distavam milhares de quilómetros e que não tinham como se comunicar! Tem de haver uma Verdade comum por detrás disto; não há outra forma de o explicar...


- Há quem diga que são os Ovnis - provoquei. Bom; talvez não tivesse sido um provocação. Aquele era um assunto que me interessava e queria ver o que Manuel pensava sobre isso.


- Ovnis?! - perguntou num sorriso irónico. - Não sei. É possível que possa ter existido intervenção externa e que tenham sido eles a ensinar os povos sobre algumas coisas. Mas também é possível que os povos o tenham aprendido pela própria experiência de vida neste mundo. - Encolheu os ombros. - Na verdade, pelo que se sabe, ninguém pode aferir com certezas absolutas como tudo foi. Mas há uma coisa que é inegável: todos esses povos se moviam de igual modo e em cooperação com a Natureza. Já nós... Nós competimos com Natureza todos os dias!


Manuel terminaria a sua conversa, alguns minutos depois, afirmando que não tinha dúvidas de que a humanidade, ingenuamente, seguia as ideias de alguns em vez de seguir aquilo que o seu interior lhes dizia e que, dessa forma, servia esses alguns numa espécie de escravidão ignorante; e que era por isso que adoecia e destruía o mundo.


- Se o dia do Juízo Final existir, - terminava o Manuel - a Humanidade será chamada a responder por isto; e não por ter respondido mal ao pai ou à mãe, ou pela Banana que um dia roubou de uma bancada de fruta. Será julgada por se ter permitido manipular por esses alguns.


- E quem são esses alguns, Manuel?! - perguntei-lhe, instantes depois de interiorizar aquela evidência: o Manuel estava a libertar-se do que quer que fosse que o amofinava. - Falas sempre, e só, em alguns; não explicas...


- Não sei... - Encolheu os ombros. - Mas serão todos aqueles que querem, e têm interesse, que os anos acabem em 31 de Dezembro... - Sorriu, olhando o relógio. - Tenho a sensação de que coisas destas, como a data do fim do ano, são só a pontinha do Iceberg... São uma espécie de técnica de controlo de multidões.


- Que mais há?


- Olha! Este ritmo alucinante em que vivemos; esta necessidade constante que temos de comprar, de possuir, de ter e de mostrar aos outros que temos... Tudo isto aprisiona-nos num ciclo vicioso do qual muitos de nós não conseguimos sair. E, quando um dia conseguimos fazê-lo, é maravilhoso perceber tudo aquilo que há e não se vê...


Sorri ao Manuel. Não porque lhe tivesse achado piada, ou por condescendência, mas porque o meu amigo já não era uma criança de colo; já conseguia andar pelos próprios pés.


Conhecia o Manuel há uns 30 anos, éramos amigos de infância, e sempre sentira potencial nele para ser tão mais do que era. Mas ele era, então, como todos aqueles que parecia criticar, agora; ainda que - na minha opinião - eu não ache que ele os criticasse, apenas lamentava que assim estivessem. E isto só significava que eu fizera tudo bem. Porque, o conhecimento, nunca deve ser imposto aos outros; apenas se deve semear o interesse.


- Mas o que é que fizeste ontem? - perguntei-lhe. - Acabaste por não me dizer...


- Ontem fui celebrar o Equinócio como faziam os Celtas... - anunciou alegre. - Bom; não exatamente como o fariam, porque os tempos são outros. - Assentiu, feliz. - Foi muito bom estar à roda de uma fogueira, a meditar, a sentir o frio da noite, o vento e o calor do fogo.


- Foi isso que te fez ver coisas que não se veem?


- Foi - admitiu sem qualquer hesitação. - Porque só ontem à noite, no meio de um grupo de pessoas, reunidas ali com o propósito de celebrarem o Equinócio e o Renascimento, me permiti libertar da consciência. E só ontem percebi que tenho andado cego... - Tornou a olhar o relógio. - Sabes? Eu tenho andado a ler umas coisas interessantes na Net, mas estava a ter alguma dificuldade em sequer me permitir aceitar que aquelas coisas pudessem fazer sentido. E ontem alguém, ou alguma coisa, me forneceu a chave. Entendes?


- Perfeitamente, Manuel... - Manuel olhou de novo o relógio e fez o tradicional esgar de quem tinha de ir embora mas não queria. - Estás atrasado?


- Ainda não. - Sorriu num suspiro. - Tenho de te perguntar uma coisa...


- Força!


- Falaste dos Ovnis... E não me pareceste muito contrariado quando de te falei da Manipulação... - O Manuel sorriu e eu sorri-lhe; o meu amigo conhecia-me bem. - Lembro-me das nossas conversas de miúdos e de como elas me faziam confusão. E de como tu, ainda que um pouco chateado, te limitavas a encolher os ombros e depois dizias para irmos jogar à bola. - Eu confirmei essa memória num aceno de cabeça; também me recordava. - Tenho me lembrado muito disso, ultimamente. Afinal, poderia ter despertado muito mais cedo... - Fitou-me muito sério. - Diz-me: o que é que sabes de tudo isto de que te falei?


Eu sorri-lhe. Aquilo que eu sabia não dava para se conversar assim; e em cinco minutos - provavelmente. Além disso, era muito mais interessante uma discussão de ideias do que um desbobinar de informação.


- Estas coisas, Manuel, semeiam-se. E colhem-se mais tarde; quando é o tempo da colheita. No ritmo natural das coisas... - Ele olhou o relógio e levantou-se. - Percebeste o que eu te quis dizer?


- Acho que sim. - Sorriu e deu-me um abraço, quando me ergui do sofá onde estava. - Então, quando eu souber mais alguma coisa, passo por cá e falamos; com mais tempo, claro está. - Acompanhei-o à porta e ele saiu. - Sabes uma coisa interessante? - perguntou-me, já fora de casa. - Sinto que nasci de novo!



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