O Santo Graal
- PJ Vulter
- 28 de mar. de 2018
- 5 min de leitura

Quando pensamos em escritores, surgem-nos duas imagens - creio eu. Uma é a do escritor Best Seller, enriquecido pelos seus escritos, e ainda uma outra - normalmente associada ao passado histórico: a de um excêntrico, empobrecido e não reconhecido pelo seu talento. Já, hoje, quando alguém pensa em ser escritor, imagina-se logo pela primeira, mas sente-se pela segunda; a segunda está lá, qual fantasma - Poltergeist, quiça - que lhe assombra os dias, as noites e os sonhos...
Não há uma fórmula de sucesso para a escrita. Essa é uma ilusão que a muitos toca; investem horas da vida - quando não mais - a procurar descobrir essa fórmula miraculosa. Mas a verdade, para quem se debruçou sobre o assunto, é que não existe esse Santo Graal do Escritor. Basta que se analise um punhado de escritores de sucesso para se perceber que pode não haver nada de comum entre eles, entre o que escreveram e como o fizeram, e que as poucas coincidências que se encontram serão apenas isso: coincidências sem peso estatístico. E, para ajudar à confusão, se analisarmos um punhado de escritores sem sucesso, perceberemos que nada há, de significativo, na sua obra ou na sua forma de trabalho - e mesmo técnica - que justifique o seu insucesso; e até encontraremos estranhas coincidências positivas entre os dois punhados de escritores...
E a pergunta continua a martelar-nos a cabeça: qual é a chave de sucesso do um escritor?
Muitos escritores dizem que o trabalho de um escritor é 10% de inspiração, 80% de trabalho e 10% de sorte - salvo erro; não estou certo dos números, mas a ideia está lá. E isto não estará muito longe da verdade, porque de facto muitos dos sucessos de uns só se justificam, perante os insucessos de outros, pelos 10% de sorte; isto, se supusermos que os 80% de trabalho e os 10% de inspiração são premissas de todos os escritores.
Outra leitura - errada, na minha opinião - que se pode fazer daquela afirmação, é que qualquer pessoa que trabalhe muito pode ser um escritor de sucesso; afinal o trabalho vale 80%. E, quem não tem inspiração, o que para mim equivale a dizer que não tem talento, pode sentir-se tentado a apostar numa carreira de escritor. E porquê?
Porque terá 90% de possibilidades, já que trabalharão e saberão ter sorte. A sorte, como se sabe, não é coisa que se aprenda a ter, mas pode ser comprada; não com dinheiro, claro está. Há quem compre a sorte, porque tem uma certa beleza ou carisma, porque é empático(a) ou simpático(a), porque é conhecido(a) do grande público, porque é bem relacionado(a)... Mas não é sobre isto que quero falar; no entanto, tinha de o abordar - a título introdutório -, pois estas ocorrências atingem o escritor ingénuo como provas de que só o trabalho é suficiente e que a sorte, mais tarde ou mais cedo, lhes baterá à porta. E, mais grave do que isso, atinge também todos aqueles que, não sendo escritores, acham que o são; deslumbrados que estão pela imagem dos Richard Castles da vida.
O que distingue um escritor de sucesso dos outros, não é só a sorte. A sorte, na realidade, apresenta um papel importante, mas circunstancial, em todo o processo.
Imaginem que são escritores e que um dia a Sorte, muito bem posta, vos bate a porta. Vocês abrem e ela diz-vos «Olá! Eu sou a Sorte; tens chamado por mim e aqui estou eu!». Muito surpreendidos, convidam-na a entrar, servem-lhe um chá - não me parece que a Sorte goste de café - e ela pergunta-vos: «Então no que é que te posso ajudar? Que livros tens prontos? Mostra-me para que eu possa abençoá-los?». E é nesse momento que vocês se engasgam, porque na verdade nada têm produzido; passaram tanto tempo preocupados com a Sorte ajudar os outros, tanto tempo a apelar à Sorte, que têm um mísero livro pronto - e mesmo esse precisava de mais uma revisão. E, então, timidamente, mostram-lhe o que têm. «Só isso?!», pergunta a Sorte; «O que farás se te pedirem mais?!».
Trabalhar, é preciso. Um escritor tem de trabalhar muito. Um escritor tem de escrever e reescrever, rever, investigar, falar com pessoas, falar com especialistas; um escritor tem um trabalho enorme de bastidores, para além da própria escrita. Às vezes, está horas de volta de um parágrafo, encaixando as palavras até que o mesmo soe bem à mente e os ouvidos; outras vezes, nessas mesmas horas, escreve um capitulo inteiro. Há dias em que pensa que o que escreveu está óptimo, mas depois - seis meses depois -, quando o relê, entende que está uma verdadeira trampa. A vida de escritor é uma vida de trabalho árduo em que nunca se deixa de estar a trabalhar; até porque, mesmo quando se está no café, se pode solucionar um imbróglio ou ouvir um diálogo que o ensina a melhorar o seu próprio diálogo literário. Essas vidas maravilhosas dos Richard Castles que se veem na TV não existem... E, a título de curiosidade, para quem se lembra dessa série: quantas vezes o viram a escrever?
Voltando outra vez à visita da Sorte, reconstruindo-a, supondo que tinham sido uns trabalhadores e que, quando ela vos pedia, vocês mostravam-lhe uma vintena de livros prontos a publicar, e ela os abençoava; como seria?
«Estou feito!», celebravam vocês, esfregando as mãos, assim que a Sorte saísse. Contudo, por alguma razão, as editoras não vos respondiam; ou respondiam dizendo que não publicariam.
«Maldita Sorte!», diriam vocês.
E a Sorte, indignada com a forma como vocês denegriam o seu trabalho, volta a bater-vos à porta; e trás uma amiga - muito bonita, por sinal, e quase angelical.
«Podemos entrar?», pergunta-vos a Sorte, muito magoada; os seus olhos estavam vermelhos de tanto chorar. Depois, já sentados na sala, a Sorte fungou, limpou os olhos e perguntou: «Como podes, tu, que tanto por mim chamaste, insinuar que eu sou maldita e fazer-me perder o tempo que perdi?».
«Perder tempo?!», ripostam vocês, indignadíssimos; então, apresentaram-lhe 20 livros e nem um, ela - a Sorte -, conseguiu que singrasse, e falava-lhe em perder tempo?!
« Não estou a entender!», dizem, vocês.
«Não me estás a entender?! Tu sabes quantos escritores rogam por mim e quantos eu tive de pôr em espera para vir, aqui, ter contigo?! E para quê?»
«Para quê, efetivamente!», protestam vocês, ainda mais indignados. Achavam que ela estava magoada e triste por não vos ter ajudado, mas afinal parecia que dava o tempo que vos dedicara como mal empregue. «Entreguei-te 20 livros e nenhum prestava?!»
«Já conheces a minha amiga?», perguntou-vos, ela, como se não tivesse prestado atenção ao que vocês disseram.
«Por acaso, não!», acabam, vocês, por dizer; ainda que num murmúrio, pois a beleza da amiga da Sorte era estonteante. Era uma daquelas mulheres inalcançáveis...
«É normal que não conheças...», disse-vos a Sorte, com algum sarcasmo; «Foi por isso que nem com a minha bênção os livros tiveram sucesso. Esta minha amiga é a Inspiração!»
Consciencializem-se, por isso, que, mesmo com sorte e trabalho, se não houver inspiração e talento, a carreira de escritor será breve...
Por isso, se querem mesmo encontrar uma fórmula para a escrita de sucesso, utilizem aquela: 10% de Inspiração + 80% de trabalho + 10% de Sorte. Mas tem de ser por esta ordem: primeiro têm de se sentir inspirados e depois trabalharem muito; assim, quando a Sorte vier, têm tudo para que possam ter sucesso.
No entanto, Inspiração/Talento e Trabalho são, já por si, duas grandes variáveis que podem influenciar o processo. E, assim sendo, poderemos considerar aquilo uma Fórmula para o sucesso?
Não há uma Fórmula, meus amigos; a solução é, tendo inspiração e talento, trabalhar até à exaustão. Mas se não houver Talento, ou inspiração, não vale a pena...
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