top of page

A Insustentável Leveza do Querer


Não sei se acreditam no destino; naquela ideia de que os nossos caminhos nesta vida estão predefinidos...


Quando penso nisso, sinto que não pode ser assim. Se assim fosse, para muitos nós - uma maioria, estou em crer - a Vida seria pouco mais do que uma frustração. Se nós não tivéssemos alguma liberdade, no que respeita àquilo que fazemos e somos, tendencialmente iríamos fazer coisas que nunca teriam um resultado positivo e que não passariam de tentativas falhadas, porque simplesmente não nos estavam destinadas. E, nesse caso, a Vida simplesmente não faria sentido; nenhuma existência faz sentido se, com ela, só trouxer sofrimento.


Por outro lado, todos nós, em algum momento da Vida, sentimos que nadamos, ou remamos - francamente, depende do nosso nível de imersão, empenho e dedicação - contra a corrente. Há um momento em que nos damos conta de que nada daquilo em que apostamos para concretizar um sonho resulta. E não estou a falar daquelas situações em que ainda há coisas que não experimentámos; estou a falar de quando fazemos tudo - literalmente, tudo - aquilo que os especialistas nos dizem para fazer...


Quando é assim, inevitavelmente - para esmagadora maioria de nós - damos por nós a pensar, mesmo quando dizemos não acreditar no destino, que aquilo que queremos não nos está destinado. E, então, começamos a ponderar na hipótese de existir mesmo um destino; algures, traçado a carvão, ou a giz, numa sala etérea do universo.


Este texto não pretende ser um ensaio esotérico e muito menos de cariz religioso. É um convite à reflexão sobre as coisas; mas têm de deixar de lado as crenças por instantes. Todos sabemos que do ponto de vista religioso - de modo transversal - a Vida na Terra é sofrimento e que não teremos outra forma de passar por esta existência sem ser num sofrimento profundo, porque só isso nos permitirá transcender as Portas do Céu; e que do ponto de vista esotérico - nem sempre apartado da religião -, muitas vezes, tudo na Vida é uma questão de acreditar que é possível, porque acreditando tudo conseguimos. Não dizendo que ambas são patranhas, porque não acredito que o sejam, considero que todos nós, incluindo quem as professa, levamos as coisas demasiado à letra e que - na verdade - a chave está no caminho do meio. Mas também não é sobre isso que escrevo. Como disse, este, é um convite à reflexão...


Vamos supor, por momentos, que o Destino existe. E que quando nascemos trazemos o nosso caminho bem gizado pelos Planos Superiores; chamemos-lhes assim. Isto significará - necessariamente - que nada daquilo que fazemos é mero acaso; mesmo aquele pontapé frustrado numa pedra da calçada que nos magoou o pé e partiu o para-brisas de um Audi A6. Alguma coisa boa resultou daqui?


Não. E, por isso, arrependemo-nos de o ter feito e perguntamo-nos porque o fizemos. Mas isso não interessa; não é?


Se estava destinado, iria acontecer inevitavelmente. E, nesse momento, poderemos ter duas atitudes: ou deixamo-nos de preocupar com as coisas e, simplesmente, vivemos; ou questionamos a lógica desta Vida. A primeira opção é escolhida pela maioria de nós; afinal as coisas são como são. A segunda é a opção daqueles que não se rendem, daqueles que acham que não faz sentido não existirem opções. E eu encaixo-me, e espero que vocês também, nos da segunda opção.


É muito difícil falar destas coisas sem abordar, ainda que de passagem, alguns conceitos associados às religiões e ao esoterismo; apenas, porque tem sido só a religião e o esoterismo quem tem abordado este tema. Mas eu não quero ir por aí e irei tentar...


A verdade, na minha modesta opinião, é que o Destino está definido, por um lado; e por outro não. Quando nascemos, por via da genética - se assim pusermos as coisas, é mais fácil -, trazemos um conjunto de aptidões que mediante o meio onde crescemos poderão ser potenciadas, ou não. Quando o são, estas questões do Destino nem são pertinentes, porque não nos sentimos enganados pela Vida, porque - de alguma forma mágica - sempre conseguimos quase tudo o que quisemos. Quando não o são, é que sentimos o crescimento da injustiça no nosso interior; num lume brando que nos vai abrasando até mais não podermos...


E é nesse momento que saíamos em nossa defesa, disparando para tudo o que é lado, criticando tudo e todos, maldizendo a sociedade onde nascemos, o país em que crescemos, a família que tivemos, os amigos que não nos apoiaram e o mundo de forma geral.


É natural e aceitável...


Acho que foi o pedo-psicólogo Eduardo Sá que disse, uma vez, num programa de televisão, que até os adultos têm direito ao seu momento de birra; mas que não a fazem porque educação e a cultura social diz que os adultos não fazem birra. Eu concordo inteiramente com ele. Todos nós sabemos quando estamos a fazer birra, mas não o admitimos. E o que fazemos?


Durante não sei quanto tempo fechamo-nos ao mundo, hostilizamos os outros, os empregos, os amigos, os familiares e as pessoas em geral. E porquê?


Digam-no! Desafio-vos a dizerem-no...


Porque se as coisas não são como nós queremos, então, também não temos de fazer as coisas como os outros as querem...


Já uma criança, quando faz birra, grita, esperneia, chora, atira com coisas ao chão; mas depois passa-lhe. Na pior das circunstâncias, no dia seguinte, já passou tudo.


No entanto, à medida que crescemos, as birras tornam-se menos expansivas, mas alongam-se no tempo; um adolescente pode estar de birra semanas seguidas. E um adulto?


Bom... Um adulto pode estar a fazer birra uma vida inteira.


Fazer birra não é a solução; pelo menos, a «birra adulta». A «birra adulta» é uma forma contida da birra da criança; é como se gritássemos, esperneássemos e atirássemos com coisas, mas em câmara lenta. E é por isso que pode levar vidas inteiras.


Vamos ver uma coisa: as birras não resolvem nada. Não é por fazer birra que as coisas mudam; é verdade. E é por isso que ouvimos os pais - todos os ouvimos, em dada altura da vida - a dizer: «Estares a fazer birra, não vai trazer-te o carrinho que perdeste!»; ou «Estares aí a espernear, não vai arranjar a boneca que partiste!». Contudo, esse nunca foi o objectivo da birra; o objectivo da birra é expurgar as emoções negativas que temos sobre algo para que possamos seguir adiante mais pacificados.


E o que é que isto tem a ver com o Destino?


Já lá vamos...


Penso que o Destino é o conjunto de Propósitos de Vida de todos e de cada um de nós. Usando uma linguagem mais empresarial, se preferirem, são os nossos objectivos; aquilo que temos de atingir durante a nossa existência física. Estes estão definidos e temos de os cumprir. E nesse sentido, o Destino é definido; é um envelope fechado e selado.


Todavia, o que não está definido, é a forma como nós chegaremos a esses objectivos; nem os meios que vamos utilizar para os cumprir. E, neste sentido, o Destino não está definido.


Assim, e recordando o que acima disse sobre as aptidões inatas, o nosso desafio aumenta na mesma medida de quão menos favorável, a elas, for o meio em que crescemos, porque quanto mais desfavorável, às nossas aptidões, for o meio em que crescemos, mais nos afastaremos dos caminhos melhores para nós. Num caso extremo, se viermos «equipados» para sermos um profissional independente, extremamente criativo e com a necessidade de gerir o seu próprio tempo, poderemos dar connosco numa empresa extremamente exigente em termos de regras e horários, realizando um trabalho pouco interessante e a sentir-se pouco reconhecido.


Lidaremos com esta situação, usando um dos recursos acima mencionados: ou aceitamos tudo, porque as coisas são como são; ou não nos rendemos e tentamos lutar por aquilo que queremos.


Se a nossa escolha for não nos rendermos, começaremos a fazer a birra; mas a «birra adulta». E isso só nos irá frustrar cada vez mais; e mais, e mais, e mais...


Porquê?


Porque não estamos a ser objectivos. A nossa frustração é tanta, principalmente quando descobrimos que é que devíamos estar mesmo a fazer, que queremos alterar tudo num estalar de dedos; e, por isso, a cada tentativa frustrada para isso, mais a nossa frustração cresce; e cresce, e cresce, e cresce... Até que um dia se torna em fúria, em raiva cega e em fundamentalismo insano.


Há uma coisa que nenhum de nós se pode esquecer. Enganámo-nos no caminho; algures, ao longo da nossa jornada - as razões, pouco importam -, fizemos a curva para o lado errado. E, por isso, temos de fazer o caminho inverso e regressar ao ponto onde nos enganámos. Mas, em vez disso, nós só pensamos em transformar a Vida já, imediatamente, naquilo que ela deveria ser, ignorando que para tal precisamos de tempo; tempo, paciência e sabedoria. E nós, em birra - seja ela adulta ou não - não temos nenhuma daquelas qualidades...


Por isso, façamos birra; mas vamos fazê-la em condições: fechemo-nos num quarto, se for necessário, e vamos gritar, espernear, chorar, atirar com coisas; façamos isso até não termos mais energia.


Quando a nossa energia se esgotar, virá o silêncio e, com o silêncio, virá a paciência e a sabedoria e, com estas, perceberemos que nada está perdido: a sabedoria dir-nos-á que precisamos de tempo para fazer as mudanças necessárias; o tempo dir-nos-á que teremos de ter paciência para que elas aconteçam; e a paciência mostrar-nos-á como, afinal, talvez, muitas das coisas que aprendemos ao longo da vida são válidas para a Vida que nós queremos. Espantados?


Na verdade, o nosso inconsciente, ciente dos nossos objectivos - ainda que impedido pelas circunstâncias que o envolviam -, fez-nos sempre optar pelas escolhas menos nocivas; e, não sendo as opções adequadas e as ideais, foram sempre aquelas que menos nos afastaram do nosso Propósito de Vida. E é por isso que de repente percebemos que aquilo que queremos, aquilo atrás do qual corremos há tanto tempo, está ali, ao alcance da mão, e é só uma questão de estudar o caminho que fizemos e encontrarmos uma maneira de regressar ao trilho certo; e, às vezes, encontram-se atalhos...


É naquele momento que percebemos que foi aquele pontapé que nos magoou, e partiu o vidro de um Audi A6, que despoletou os eventos que nos levaram a estudar Física; e que foi toda a nossa experiência como estudantes de física e, mais tarde, professores, que nos nutriu, com saberes, a paixão pela criação de um sistema de educação melhor e mais acessível que é aquilo que queremos criar. Será que tal teria sido possível sem aquele pontapé?


Talvez; se as nossas circunstâncias também tivessem sido outras. Mas discutir isso seria especulação...


O que interessa reter é que não basta querer - o querer por querer, é um veneno -, é preciso parar, pensar e planear; silenciar a frustração - e, porque não, o desejo desaçaimado -, acalmá-la, permitir que a sabedoria nos mostre os caminhos e planear a melhor maneira de voltar ao ponto onde poderemos inverter a situação.


Depois de conseguirmos fazer aquilo, impressionemo-nos; pois, de repente e afinal, toda a nossa Vida parece fazer um profundo sentido...



Posts Recentes
Arquivo
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
bottom of page