O Rei Leão
- PJ Vulter
- 1 de jun. de 2018
- 4 min de leitura

Não vou dizer que não avisei; e muito menos pretender insinuar que só eu vi. Não. A verdade é que muita gente falou, muita gente alertou… E os sinais estavam lá todos; para quem os quisesse ver. O problema acontece, porque a vontade de ganhar é tanta que se torna fome; e a fome tem de ser satisfeita de qualquer maneira. E, quando assim é, todos somos cegos.
Vê-se disto em todo o lado. E todos nós conhecemos isto de perto: em amigos, em familiares e em nós próprios. Por vezes, a vontade de conseguirmos algo é tanta, tanta, tanta que se torna numa obsessão insana pela qual seremos capazes fazer de tudo; até de tirar olhos. E é assim que todos nós nos tornamos predadores selvagens a percorrer as savanas africanas, a esgalhar por entre as ervas altas e o capim, fintando as árvores e as pedras, de olhos fitos na presa e sem nada mais ver; queremos aquilo que corre desesperado à nossa frente, em ziguezagues frenéticos e em estrebuches de sobrevivência…
Nesses momentos, o mundo torna-se pequeno, os horizontes afunilam-se, os olhos colam-se no nosso alvo e, quando nos damos conta, nada mais há; tudo se resume aquilo que é: a eterna querela entre o predador e a presa. E este é o momento mais negro; é a lei da sobrevivência pura – dura e cruel – que dita a vitória do mais forte: regra geral o predador. E infelizmente, para muitos, é só nesse momento, também, que nos apercebemos de que afinal, a presa, somos nós …
Ao contrário do que se passa na Terra selvagem, das bestas e dos animais ferozes, o mundo civilizado – ou, pelo menos, assim dito – é carregado de ilusões e fantasias. O Mundo Selvagem – o do National Geographic, se assim quiserem – é claro, preciso; todos conhecem o seu lugar no mundo. Lá uma presa sabe quando é uma presa e um predador sabe quando é um predador; não há ilusões: nenhuma Zebra acorda com a ideia de que vai comer uma Xiita, nem nenhum tigre vive amedrontado com a ideia de poder ser apanhado por uma girafa… Já cá entre nós preside o ego e a mania das grandezas; as ilusões e as fantasias de que poderemos ser aquilo que almejamos.
Silenciem-se os sonhadores, por favor!
Já vos estou a ouvir e estão errados… Não estou a condenar aqueles que seguem os seus sonhos. Todos devemos seguir os nossos sonhos… Mas antes de os seguirmos, antes de os perseguirmos numa corrida desenfreada como xiita atrás de uma gazela, estejamos certos de que são mesmo os nossos sonhos e não os sonhos que alguém nos fez acreditar que eram os nossos, porque essa será a única garantia que teremos, quando chegar aquele momento mais negro, de que seremos nós o predador.
No entanto, para a maioria de nós, os nossos sonhos não são os nossos sonhos. A maioria de nós vive em função de algo que achamos que queremos, porque essa foi a única maneira que concebemos para termos Reconhecimento, Dinheiro ou Amor; e achamos que isso é tudo aquilo que precisamos para sermos felizes.
Infelizmente, a maior parte da humanidade nunca atinge os valores de Reconhecimento, de Dinheiro ou Amor que concebeu como os seus objectivos e, por isso, continuará encerrada em si própria na perseguição daquilo que achou que seria a chave dourada para a sua felicidade. Todavia, alguns de nós, conseguem atingir alguns desses valores, ou aproximar-se… Na verdade, basta que nos aproximemos desses valores para percebermos que a chave dourada para a felicidade, muitas vezes, abre uma porta para uma sala vazia. E, então, começamos a deslindar o mistério e a entender que os nossos sonhos, na realidade, não são os nossos, mas somente aquilo que nós nos havíamos permitido construir em função de algo que queríamos muito: Reconhecimento, Dinheiro ou Amor.
Isto é explicado de forma muito simples pela pirâmide das necessidades de Maslow; uma pessoa só fica desperta para o nível seguinte das necessidades quando tem as anteriores satisfeitas. E é por isso que só quando se consegue o Reconhecimento, o Amor ou o Dinheiro é que nos apercebemos de que aquilo não é tudo o que há; mas primeiro temos de chegar lá. E chegar lá implica – necessariamente - perseguir a nossa presa, desenfreadamente, até aquele momento mais negro. E é por isso que todos nós temos – devemos isso a nós próprios – de nos perguntar se aquele sonho é mesmo nosso, porque só isso nos dará alento; mesmo que, depois de darmos a volta à chave dourada, encontremos uma sala vazia.
Todo o predador, depois de caçar a sua presa, encontra uma sala vazia. O tigre, a xiita, o jaguar - todos eles -, depois de se alimentarem, ficam no vazio até à próxima caçada; mas estão bem com isso, porque essa é a ordem natural das coisas: o sonho deles – mesmo - era apanharem a presa…
E o ser humano, quando persegue os seus sonhos - os verdadeiros -, vai pululando de sala vazia em sala vazia e, em cada uma delas, vai apreendendo as lições que o vão conduzindo pelo labirinto da existência até ao seu momento; até à sala do tesouro. No entanto, quando os sonhos que persegue não são mesmo os seus, e numa busca desesperada pela porta certa, vai perdendo-se naquele labirinto; vai entender que aquela chave dourada – necessariamente – tem de abrir a sala do tesouro e, com isso em mente, vai ignorar a sala vazia – entende que aquilo é um erro - e não vai desistir até encontrar essa outra porta que acha que existe. E vai fazê-lo da pior maneira possível: passando por cima de tudo e de todos.
Não sei se é isto o que se passa; mas pode muito bem ser que seja…
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