Ensaio sobre a cegueira
- PJ Vulter
- 15 de jun. de 2018
- 3 min de leitura

Li há uns dias um artigo sobre a superstição, a religião e o fantástico. Interessei-me, pois são temas que me são caros…
Pretendia o autor - creio eu - criticar esta tendência geral a que se assiste, na televisão e cinema, para os filmes de teor Fantástico. No entanto, a forma como o fez não foi a melhor. E não o foi porque optou por dar um cunho de superioridade moral - ilógica, ainda por cima - a algo que pode não passar de uma questão de gosto pessoal...
Começou por falar em crendices, como o caso do alegado azar dado pelo gato preto, e acabou com uma apologia à citação de Santa Teresa de Ávila «Quem a Deus tem, nada lhe falta. Só Deus basta». E, pelo caminho, há todo um esparrame de idiotias, preconceitos e juízos de valor…
Vamos lá a ver uma coisa: não pode, quem defende uma crença, menosprezar as outras, ridicularizá-las e torná-las menos válidas só para enaltecer a sua. A isto chama-se tendencionismo, manipulação e – porque não – fundamentalismo.
O artigo diz, ainda assim, umas quantas verdades e com as quais concordo inteiramente. Nomeadamente, assinala a necessidade que as pessoas têm de ter a quem pedir responsabilidades e de preferirem demitir-se do papel de senhoras da sua própria vida – creio que se pode resumir a isto. E até aqui está tudo muito bem; mas é aqui também que tudo se escangalha.
Diz, quem escreveu este artigo, que existe uma especial apetência – de todos nós – para o mágico e o fantástico e que isso é explorado pelos media e cinema – tudo em nome das audiências - com uma torrente de filmes e mini séries da temática. Compreendo - ainda que mal - que o único objectivo deste artigo tenha sido tecer uma crítica a este género de filmes - muitos deles baseados em livros do mesmo género. Mas quando depois se remata com uma apologia – sim, estou a repetir o termo – ao cristianismo e alegando a omnipotência de Deus…
Isto faz-me lembrar aqueles filmes de série B, com muito mau argumento, onde no final tudo é mal-arranjado só para responder ao que não é respondível. Não há uma passagem argumentativa, uma explicação; não: o que é há é uma apologia clara do Cristianismo e de Deus. E assim, esta tentativa de justificar o criticismo da autor pela existência - assumida pelo mesmo - de valores mais elevados como o cristianismo, cai por terra...
O que me faz escrever este artigo não é Deus, o Cristianismo ou as superstições; todos temos direito às nossas crenças e a defendê-las. O que me faz escrever o que escrevo é o direito que todos temos, também, de não sermos ofendidos pelo menosprezar de tudo o resto que não seja a crença de quem nos menospreza. Principalmente quando as razões porque somos menosprezados não têm qualquer valor moral, ético ou histórico; não há legitimidade.
A verdade é que o Cristianismo é uma crença como outra qualquer. E como tal, como crença que é, é tão válida como qualquer outra. Provem, por favor, qual o mérito do Cristianismo face às outras crenças; provas factuais…
Não há. Tudo o que há, tudo o que faz com este artigo tenha sido escrito, é a firme convicção – e crença – de quem o escreveu de que é ele quem tem razão; de que o Cristianismo é a única verdade. Mas toda esta apologia – sim, repeti – é somente resultado da crença exacerbada de quem a escreveu que – pelos vistos – não reconhece o direito à existência de mais nada. E é por isso mesmo que a validade da sua opinião - pelo princípio do absurdo - não é outra coisa senão nula.
Não posso terminar sem recordar, também ao autor - que defende acerrimamente o cristianismo -, que todo o Império construído em torno de Deus não é prova alguma de superioridade; é somente o resultado da exploração material dessa crença: uma crença que, entre outras coisas, nos fala da humildade e da pobreza como um culto, mas que de humildade e pobreza pouco tem…
E termino, perguntando; tenho de o fazer: um escritor pergunta...
Será que este culto - da pobreza e da humildade -, defendido pelo cristianismo, essa crença tão superior nas palavras do autor, é verdadeiro; ou será mesmo que é só para aqueles a quem convenceram que «Quem a Deus tem, nada lhe falta. Só Deus basta»?
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