Ao Serviço de Sua Majestade: A Verdade
- PJ Vulter
- 3 de ago. de 2018
- 4 min de leitura

Eu estou ao serviço da Verdade. Esta é a única forma que conheço de ser justo e imparcial…
No entanto, a Verdade é mutável; e, dizer que não o é, abre a porta ao Fundamentalismo.
Mas o que é a Verdade e o Fundamentalismo?
A Verdade é o nosso conjunto de assunções sobre o Mundo e que nos permite pautar o nosso comportamento na Vida. Quanto ao Fundamentalismo, ele surge, quando a nossa Verdade se torna imutável.
Tudo na Natureza se altera. Lavoisier dizia que na Natureza nada se perde e tudo se transforma; e isto significa somente que na Natureza tudo evolui, muda e transmuta-se em algo diferente daquilo que era. E com a Verdade não será diferente…
Existe uma concepção – perigosa - de que a Verdade é a Verdade. Para a maioria de nós o conceito de Verdade tem fronteiras ténues com o axioma e o absolutismo e, depois de formulada, a Verdade é a Verdade; torna-se estanque, cristaliza e morre… Sim, morre! Qualquer Verdade que não evolua morrerá como Verdade porque torna-se um postulado, um axioma; o princípio do Fundamentalismo.
Todos nós já fomos crianças e não será muito difícil – talvez – recordar como era o nosso Mundo de então, quais eram os nossos limites, as nossas concepções das coisas, as nossas fronteiras, a forma como víamos a realidade à nossa volta… E, agora, olhemos para nós – um exercício mais fácil, com certeza – e vejamos quantas dessas nossas percepções se mantém. Alguma?
Estou certo de que não – salvo, raríssimas excepções; todos nós evoluímos. O que aconteceu naturalmente, na mesma medida que fomos crescendo, sendo educados e aprendendo, foi que as nossas percepções foram mudando, transmutando-se naquilo em que nos tornámos. Ou seja: a nossa Verdade mudou, transformou-se…
Sei que isto não é difícil de entender no paradigma que usei; afinal, trata-se simplesmente do crescimento – algo que todos nós conhecemos –, da passagem da infância para a idade adulta. No entanto, quando entramos na idade adulta – parece-me – tudo se torna mais complicado; a mudança parece ser impossível de concretizar, ganha-se resistência à mesma e, às vezes, tornamo-nos rezingões: as coisas têm de ser como nós queremos ou achamos que têm de ser; as coisas têm de respeitar a nossa Verdade.
Enquanto crianças experimentávamos a Vida e, quando as coisas não nos corriam bem, tentávamos de outra maneira; e tentaríamos as vezes que fossem necessárias. No final, com a lição bem aprendida, mudávamos a nossa Verdade e transformávamo-nos porque percebêramos que forma antiga não era a melhor. Por que razão perdemos isto?
Não sei. Só sei que o perdemos…
Agora, depois de adultos, todos queremos que Vida seja uma linha recta, imutável e sem sobressaltos; mas isso é algo impossível, porque tudo muda. E é aqui que surge o Fundamentalismo.
O Fundamentalismo nasce da necessidade que alguém tem de impor a sua Verdade no Mundo, de fazer com que tudo o resto se dobre à sua vontade - e, para isso, não olhará a meios. Mas se é verdadeiro isto que digo, não é menos real que a origem deste comportamento está na simples incapacidade de aceitar a mudança e a mutabilidade da Verdade: o que hoje nos serve, amanhã poderá já não servir…
Estar ao serviço da Verdade é estar consciente de que amanhã poderemos aprender alguma coisa que torna a nossa Verdade de Hoje obsoleta e saber aceitá-la, incorporando-a em nós e no nosso corpo de saberes, integrando-a na nossa Verdade; ao fazê-lo, estaremos a respeitar a mutabilidade natural do Mundo e da Verdade.
Se estivermos ao serviço da Verdade, aceitaremos – naturalmente – que a nossa Verdade pode ser diferente da dos outros, porque a Verdade de cada um de nós é construída com os saberes e experiências que cada um nós tem, e isto fará com que – necessariamente – estejamos mais abertos a escutar os outros, a conversar e a aprender coisas novas e, claro está, a alterar a nossa Verdade sempre que tal se verifique adequado. O resultado evidente disto é sermos sempre mais justos e imparciais…
Se todos nós estivéssemos ao serviço da Verdade, o Mundo seria um melhor lugar e o Fundamentalismo nem existiria – provavelmente –, porque todos nós respeitaríamos a nossa Verdade e a Verdade dos outros; e a mutabilidade natural desta dinâmica faria com que todos evoluíssemos no mesmo sentido.
Constato, agora, depois de ter escrito todas estas linhas, que isto tudo vos possa parecer um tanto utópico - talvez - e, por vos respeitar e aceitar que as vossas Verdades são tão válidas como as minhas, fico-me por aqui; no entanto, sublinho que é esta a minha forma de ver as coisas…
Gostaria de terminar com duas citações que acho adequadas; a primeira é já uma citação de uma citação, pois também o autor citou outra fonte. São do livro de João Aniceto «O Quarto Planeta»; um livro brilhante de FC que aconselho vivamente:
“Cada um tem a sua verdade. A cada um a verdade que necessita. A cada um a verdade que o satisfaz.”, in O Quarto Planeta, João Aniceto, Caminho - ficção científica, 1986, Prólogo, pág. 7
"Se tu compreendes, as coisas são como são; se tu não compreendes, as coisas são como são.", Provérbio budista
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