O Avô Cavernoso
- PJ Vulter
- 7 de set. de 2018
- 5 min de leitura

Gostaria de começar por dizer que não tenho nada contra os emigrantes, imigrantes ou migrantes; são opções de vida – escolhas pessoais - que respeito inteiramente. Considero, contudo, que – sendo opções de vida – não deveriam beneficiar de condições especiais de qualquer género; principalmente se promovidas pelo estado, porque não foi em nome do estado que a decisão foi tomada, mas sim – e sempre – em nome pessoal. Dito isto, vou direto ao assunto…
O Expresso noticiou, no fim-de-semana de 25 de Agosto, que o governo pretende beneficiar os emigrantes (que o foram até 2015) para que regressem a Portugal (entre 2019 e 2020) com um desconto de 50% no IRS; e – sendo já isto gravoso, na minha opinião – não se fica por aqui: terão também ajudas de custo quanto à viagem de regresso e habitação.
Esta é uma excelente notícia para quem saiu de Portugal no período de crise; empurrados, segundo dizem, pela falta de trabalho que havia. Mas é uma notícia terrível para quem cá está e cá ficou…
Portugal sempre teve uma história de emigração. Os portugueses sempre foram um povo – quase – de migrantes; pessoas que, apesar dos medos e receios, nunca hesitaram em desafiar o desconhecido. E isto está tudo muito certo, é nosso, mas é também pessoal; são escolhas que as pessoas fazem e que – como todas – quando correm bem é muito bom e quando não correm… No entanto, desde miúdo que assisto a uma determinada martirização dos emigrantes, à criação de um certo mito do herói e – às vezes – ao próprio endeusamento da figura do emigrante; é uma ideia facilmente comprovada por expressões como «coitadinhos», «estão lá fora a lutar pela vida» e alimentada pelo próprio discurso dos emigrantes - cheio de penas e lamentações.
Não questiono as penas da diáspora e não pretendo minimizar as dificuldades que os emigrantes possam sentir; e até de quem cá fica e vê os familiares partirem. Contudo, não posso ser indiferente ao que sei, ao que tenho visto e descoberto ao longo da vida sobre os «coitadinhos» dos emigrantes que «andam lá fora a lutar pela vida». Não são poucos os casos em que vão para o estrangeiro trabalhar em funções que cá recusaram; não são poucos os casos em que as dificuldades que sentem são autoimpostas, porque querem poupar para regressar; não são poucos os casos em que as férias são o momento de excelência, não só para rever a família, mas também – e principalmente - para ostentarem um certo novo-riquismo; não são poucos os casos em que passam o tempo que cá estão a falar estrangeiro – todos conhecem aquela cena do «Jean Pierre! vien ici…»; não são poucos os casos em que, quando lá estão, cospem no país, para depois virem dizer que têm saudades; não são poucos os casos em que vêm para cá dizer que lá fora é que é bom… Não são poucos os casos – são muitos, até – em que se pode perceber, querendo, que tudo à volta da emigração é resultado de um discurso construtivo que tem as suas bases nos idos tempos da Ditadura; no entanto, queria lembrar que, nesses tempos, as pessoas não emigravam: fugiam. Nesses tempos, as pessoas eram forçadas a ir por esses montes em nome da sua liberdade e – muitas vezes – para garantir a segurança das próprias famílias; mas hoje partem porque querem.
Podem vir, agora, dizer, que foram forçados a ir em busca de melhores condições de vida; ainda assim foi uma opção pessoal: preferiram ir para o estrangeiro a trabalhar num café, com o salário mínimo, depois de se terem formado em medicina; preferiram ir para outro país, trabalhar nas limpezas, em vez trabalharem cá a fazer o mesmo; preferiram ir, em busca do trabalho que ambicionavam, em vez de ficarem cá com o que havia.
Não estou a julgar; acho muito bem aquilo que fizeram. As pessoas devem lutar pelos seus sonhos e, se o país não os apoia, devem procurar outras soluções. Todavia, não venham depois com o discurso dos coitadinhos, apelando à pena dos que cá ficaram, achando-se no direito de serem paparicados, homenageados e com direitos especiais.
Mas a culpa disto tudo é nossa; nossa, enquanto povo, porque ainda não percebemos a diferença entre um exilado, um refugiado, um expatriado - forçado a partir para salvar a vida -, e um emigrante que parte em busca de uma vida melhor.
Mas minha indignação não é com os emigrantes – embora possa parecer; estou indignado com este país que sempre teve esta atitude subserviente perante a emigração e com este governo que, com medidas como esta, apenas legitima a continuidade desta construção.
Vamos, então, apoiar os emigrantes - aqueles que abandonaram o país - e dar-lhes condições para regressarem a Portugal; condições que mais ninguém tem para começar a vida. Vamos apoiar quem virou as costas ao país, quem nos fez o sinal do manguito, e continuar a explorar – mafiosamente – quem sempre cá esteve; quem sustentou a austeridade e quem promoveu, cá de dentro, a recuperação do país… Talvez, daqui a uns anos, até se conclua que se tem de aumentar o IRS para sustentar esta medida; ou até seja necessário criar mais uma sobretaxa…
O que acontecerá, então?
Se isso acontecer, aqueles que agora regressaram tornarão a partir – e, se não forem eles, serão os seus filhos – alegando as mesmíssimas razões; e talvez, mais tarde, se volte a promover o seu regresso – novamente – às custas dos que cá ficaram.
Está na altura de acabar com este provincialismo, com estas medidas arranjadas em cima do joelho e às custas de todos nós. Se Portugal quer acabar com a fuga de talentos – é essa a razão evocada – dê melhores condições de trabalho, melhores salários, melhores cargas fiscais; nos países do norte da europa trabalha-se menos, ganha-se mais e pagam-se menos impostos – ninguém emigra: porque será que cá não se consegue?!
Se o governo sente que reduzir o IRS é uma boa medida, generaliza-a; se o governo acha que ajudar nas despesas de habitação e viagem é um bom incentivo, promova isso – e já – junto dos professores, médicos e enfermeiros para combater as dificuldades que se sente em deslocar estes profissionais para o interior do país.
Que faria este governo se todos nós decidíssemos, agora, emigrar?
Se todos nós, agora, perante a falta de respeito que esta medida representa para os que não emigraram, emigrássemos, alegando que o país não nos dá condições para cá ficarmos e não reconhece o nosso valor; que faria, o governo, só com os que voltassem?
Mas a melhor lição que Portugal, os portugueses e este governo poderiam ter – estou em crer - seria a fraca adesão a esta medida; ou quiçá a falha total…
Termino, esclarecendo o Dr. António Costa; dizendo ao Exmo. Sr. Primeiro Ministro que estava enganado quando proferiu as palavras que aqui cito:
“(…)quero aqui dizer claramente. Para o PS, uma das principais prioridades do Orçamento do Estado para 2019 vai ser adotar um programa que fomente o regresso dos jovens que partiram, sem vontade de partir e que têm de dispor da liberdade de poderem voltar a viver entre nós.” (citação tirara do Observador)
Ninguém parte sem vontade de partir; pode ser muito difícil, pode até dizer que preferiria ficar, mas a verdade – custe a quem custar – é que quis partir, porque o que iria obter, partindo, era – de certa maneira – maior. Tal como não é verdade que dispuseram da liberdade de viver entre nós; eles trocaram essa liberdade pela liberdade de terem um trabalho e melhores condições de vida.
Este tipo de discurso, apologético, do sacrifício emigratório tem de acabar, principalmente quando na voz de um Primeiro-Ministro, em nome do respeito para com os outros cidadãos; e os cidadãos têm de perceber que estes discursos são resultado de Políticas e manobras influenciadoras da opinião pública para garantirem resultados eleitorais e poleiros…
E quanto aos emigrantes; um conselho: deixem-se se estar onde estão, porque por aqui nada mudou…
Hoje, «pagam-vos» para voltar e amanhã…
Amanhã; bom… Amanhã – é bem provável – tirar-vos-ão tudo novamente.
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