Fast & Furious
- PJ Vulter
- 14 de set. de 2018
- 5 min de leitura

No outro dia, enquanto esperava para a atravessar a estrada, reparei como os automóveis se comportam de formas diferentes…
O processo de condução automóvel, apesar de poder parecer confuso – e assustador, ao princípio –, na verdade, e com o passar dos anos – que é como quem diz, com a prática -, torna-se um processo inconsciente. Há relatos, até, de pessoas, que sob o efeito do sonambulismo, conseguiram fazer distâncias razoáveis a conduzir o seu automóvel; ou seja, conduziram enquanto dormiam. E, para além disso, a quantos de nós já não aconteceu estacionar sem nos lembrarmos do caminho que fizemos?
Quando pensamos assim, e considerando que todos os carros se conduzem – basicamente – da mesma maneira, por que motivo os automóveis têm diferentes comportamentos?
Têm, não têm? Não é coisa da minha cabeça; pois não?!
Há teorias que dizem que o automobilista trata o seu automóvel como uma extensão de si próprio e, acreditando nisso, será expectável que cada condutor conduza a sua viatura de acordo com a sua personalidade; será a atitude do condutor que influenciará o próprio comportamento do veículo. E eu penso que é aqui que reside a principal razão porque os automóveis têm comportamentos diferentes; comportam-se consoante quem os conduz.
Assim, há automóveis que passam rápido por nós, destemidos, velozes, ansiosos por chegar a algum lado, sem darem qualquer possibilidade a outros veículos – e até a um peão – para se atravessarem no seu caminho; e outros, há, que viajam pela estrada cientes da sua posição, numa velocidade ponderada, despertos a tudo o que está volta, disponíveis – ou capazes de alterar a sua rota – para deixar outro veículo passar ou um peão atravessar.
Não estão aqui em causa as questões de segurança rodoviária. Não estão, porque as estatísticas dizem que tanto um tipo de condutor como outro têm acidentes; apesar de os primeiros se exporem mais a isso - acho eu. Mas ocorreu-me que este comportamento reflete – ou poderá refletir – a forma como essas pessoas se conduzem, também, pela vida…
Ocorreu-me que essa gente que conduz de forma desaustinada, focada no seu destino, indiferente ao que se passa à sua volta, como se um segundo de abrandamento na sua marcha pudesse ser o fim do mundo, se comportará da mesma forma na sua vida pessoal e na sua vida profissional; tudo para eles é um campeonato, um desafio permanente, uma guerra… Para eles, um segundo pode representar a perda de uma oportunidade, uma derrota, uma humilhação ou – algo insuportável – ficar em segundo lugar…
Não sei o que leva estas pessoas a terem este comportamento; quais as causas profundas. Mas sei que parte da culpa – se é que a culpa interessa – é do nosso sistema educacional, e social, e também de um sistema de meritocracia descompensado e invertido.
Atualmente - todos sabemos, ou deveríamos ter consciência disso - a meritocracia é um sistema que funciona na teoria, mas que na prática não; e as razões são várias, mas não nos alonguemos nisso. Todos nós sabemos de um caso, ou de outro, em que quem tinha mais mérito não foi reconhecido. Conhecemos, não conhecemos?
Mas será mesmo assim?!
O que é que é ter mérito para si?
Já sei… Tem mérito aquele que se esforça como um cavalo de corrida, que luta como um boi numa arena, aquele que transpira a camisola… Mesmo que não tenha resultados, para si, é essa a pessoa que tem mérito. O outro, aquele que chegou viu e venceu, aquele que - sem esforço - apresentou resultados, não tem mérito nenhum. Mas estão – redondamente – enganados!
O mérito adquire-se mediante os resultados obtidos. Então, de onde vem esta confusão?
Vem de uma Sociedade que coloca o Trabalho acima de tudo; aquela que criou a expressão: «O trabalho dignifica o homem». Neste mundo – ainda – a ideia de produzir pouco, ou nada, é aterrorizadora; e ninguém consegue estar plenamente sossegado em descanso… Por isso, como pode ter mérito alguém que conseguiu, em três dias, aquilo que o outro, em 3 anos, não conseguiu?
Terá feito batota! Foi privilegiado! Foi cunha…
Não. Chama-se talento; essa pessoa que teve o mérito de conseguir algo com menos esforço teve talento para isso.
No entanto, ninguém vê isso assim. E é por isso que as pessoas têm de ser competitivas, focadas, não dar hipóteses aos outros, não se distraírem, não ficarem satisfeitas com o segundo lugar, porque para elas – e para o mundo, de forma geral – ter mérito é isto; é viver em luta constante. E, para elas, aquela é a forma certa de viver. Mas este sistema em que vivem - e acreditam - é um sistema descompensado e invertido; porque o mérito não está só no esforço, está também, e principalmente, nos resultados. No entanto, tudo aquilo que nos rodeia manipulou-nos as mentes e, como a única coisa que pensamos que controlamos é o nosso empenho, fez-nos acreditar que quanto mais empenho temos, quando mais o nosso esforço, mais será o nosso mérito... E é por isso que a maioria de nós, quando descobre algo que lhe é fácil, ignora-o. Porque se é fácil, se o fazemos sem esforço, onde estará o nosso mérito?
São estas pessoas que fazem com que os automóveis, nas nossas estradas, tenham comportamentos agressivos; mas isso ocorre, somente, porque é essa a forma como elas conduzem as vidas.
E quanto aos outros; aqueles que não conduzem assim? Serão, eles, frustrados? Serão eles uns coitadinhos que nunca atingem o sucesso?!
Estranhamente, não. Se tomarmos por bitola o próprio automóvel, torna-se evidente que não: vejo Calhambeques que parece que tomaram um Redbull e Porsches sob o efeito de Xanax. E é bem provável que o condutor do Calhambeque, ao olhar para o Porsche, ache que a vida é injusta e que – como se diz - «Deus dá nozes a quem não tem dentes…»; e que ele que labuta todos os dias não tem sorte nenhuma. O que ele não sabe é que o condutor do Porsche já foi assim como ele, quando conduzia Calhambeques numa correria desenfreada; e foi-o até que percebeu o mundo à volta e as suas possibilidades.
Um dia, o condutor do Porsche viu tudo o que havia fora do seu caminho, desacelerou, observou e apreciou. E descobriu que a sua vida poderia ser outra, mais focada nas coisas que lhe interessavam e onde poderia ser melhor; onde poderia explorar o seu talento natural e, por isso mesmo, ter melhores resultados. E resolveu arriscar; apesar de saber que os outros poderiam não lhe reconhecer valor ou mérito. Mas de que lhe interessava a opinião dos outros? O que lhe importava eram os resultados... Foi assim que ele passou do Calhambeque com Redbull para o Porsche com Xanax.
O meu desafio, para todos vós que conduzem um Redbull disfarçado de Calhambeque, é para que desacelerem um pouco, olhem volta, respirem fundo, ouçam o vosso coração e perguntem-se:
O que é que eu ando a fazer da minha vida?
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