A Magia do Silêncio
- PJ Vulter
- 16 de nov. de 2018
- 6 min de leitura

O que é um escritor?
Um escritor é alguém que escreve livros. No meu entender, vou ainda mais longe e digo que um escritor é alguém que escreve romances, contos, novelas; sejam eles de que género forem.
Mas acho que mais importante do que a definição do que faz um escritor é a definição da persona; quem é o escritor. Aqui – neste preâmbulo – a coisa é menos simples, porque não se pode descrever, pelo menos em termos tão globalizantes, quem é um escritor. E não podemos fazê-lo, em primeiro lugar, porque um escritor é uma pessoa com todas as idiossincrasias que uma pessoa pode encerrar; e, em segundo lugar, porque… Bom; não há uma segunda razão, na realidade; o ser humano – a pessoa – é razão mais do que suficiente para garantir a cada um de nós, e ao escritor, o seu direito à individualidade.
E é por isso que ninguém saberá as razões porque alguém decide tornar-se escritor e muito menos as causas que levarão esse alguém a dar os primeiros passos para se tornar escritor; e, menos ainda, os motivos que o levam nos caminhos da resiliência e persistência que é preciso trilhar enquanto escritor.
Disse, aqui, há umas semanas, que um escritor é um missionário; e disse-o muito simplesmente porque é com esse espírito que se deve encarar a carreira de escritor. E isso é assim, não só no sentido do desempenho de uma missão, mas também no sentido da construção da fé que é preciso ter para se trilhar aqueles caminhos de resiliência e persistência…
No entanto, tal como o missionário precisa de entender se tem condições para desempenhar a sua missão de evangelização, também quem quer ser escritor deve saber afastar-se e perceber se tem condições para levar o seu intento a bom porto. E, tanto num caso como no outro, o melhor barómetro são as pessoas…
Vem isto a propósito de um escritor que conheço; boa pessoa, cheio de boa vontade, boa gente…
Dele, li apenas um livro; creio que publicou dois. Foi publicado por duas dessas pseudo-editoras do mercado e – aparentemente – vai publicar um terceiro.
Mas não é essa a questão. Não há nenhum mal em ser editado por uma pseudo-editora – ou, como digo, por uma tipografia com chancela; eu próprio passei por essa ilusão. No entanto, estas pseudo-editoras não editam, publicam e publicam conforme está. Hoje, quando olho para os livros publicados, por mim, nessas condições – e principalmente depois de ter passado por um processo de edição e publicação com a Coolbooks – reparo o quão melhor trabalhados, em termos editoriais, aqueles livros deveriam ter sido e o quão mais eu teria ganho e evoluído enquanto escritor com isso… Por isso, ser publicado por uma pseudo-editora não é necessariamente sinal de má qualidade, mas também não será sinónimo de qualidade; principalmente se o escritor, disso, não tiver noção e não acautelar, ele mesmo, os detalhes editoriais necessários. Porque, não tenhamos ilusões, publicar por uma pseudo-editora é uma edição de autor …
O livro que dele li, já faz alguns anos, foi um processo doloroso. Foi um daqueles livros que atirei para cima da mesinha de cabeceira, sem vontade de a ele voltar; várias vezes… Contudo, porque não sou daqueles que desistem e abandonam livros – afinal o livro não tem culpa de ter nascido – a ele voltei várias vezes e terminei-o. Gostei?
Nah!
Achei-o muito leve; e não no bom sentido. O livro tinha potencial para muito mais, mas foi escrito num registo excessivamente juvenil para o género, os personagens eram planos e demasiados amigáveis uns com os outros – considerando aquilo que seria expectável na vida real – e perdia-se demasiado tempo de narrativa – e até de diálogo – com coisas que não eram realmente importantes para o enredo; no fundo, era um livro que deveria ter sido negro, mas que acabou por sair num roso velho…
E apenas o li por respeito ao autor que me pediu o feedback… E dei-lho na altura com estas nuances.
Volto, agora, a este assunto, porque na época atribui aquele texto à falta de experiência de vida do autor; mas não porque seja da opinião que só um velho pode escrever um bom romance, ou porque entenda que só depois dos 45 anos – como já ouvi – é que se consegue escrever um bom livro. Na verdade, não acho nada disso; não acho; não acho que a idade tenha alguma coisa que ver com a qualidade da escrita. Mas entendo que a experiência de vida e a investigação são determinantes para um bom romance; algo que, naquele livro que refiro, falhou. Por isso, pensei que aquele autor até se poderia tornar um bom escritor; mas com o tempo…
Passaram-se, entretanto, 5 anos, desde aquela minha desventura; e suspostamente este autor já publicou outro livro e está em vias de publicar um terceiro. E, como disse, não li o seu segundo livro... Mas estou certo de que não o vou ler; nem aquele nem o próximo.
O trabalho deste escritor piorou. É verdade!
E se última publicação foi feita por uma pseudo-editora – tal como a primeira - e, como é evidente, o verdadeiro trabalho de edição não foi feito, o terceiro livro, a avaliar pelo que dele tenho lido – essencialmente contos – também terá de o ser por uma dessas… Não pode ser de outra maneira.
Eu entendo que qualquer pessoa, com a prática, melhora. E, se realmente tiver talento, melhora dramaticamente mais. Por isso, o que é que se passou aqui?
Os textos parecem tirados das mãos de um aluno da primária. É claro que o léxico, os temas e as preocupações não o são, mas a estrutura do texto, o desprendimento pueril no uso das palavras... Eu até tenho dificuldade em transmitir-vos aquilo que sinto quanto o leio; essa é a verdade. Sinto que ele escreve sobre morte como se escrevesse sobre um nascimento; tal como escreve sobre um funeral da mesma forma que escreve sobre um casamento. E digo isto no mau sentido; não estou a dizer que este escritor escreve tão bem sobre uma coisa como escreve sobre a outra, estou a dizer que para ele é indiferente, pois escreve de igual maneira e as suas palavras transmitem a mesma emoção - ou nenhuma, para ser franco. O resultado desta escrita é um mar raso de emoções onde não se consegue mergulhar; é olhar para um horizonte promissor, mas esbarrar num parede invisível sem se conseguir avançar mais...
Tenho pena... A sério que tenho! Acho que esta pessoa, com esforço e empenho, poderia tornar-se num escritor, pois é alguém cujas temáticas que aborda revelam preocupações e reflexões profundas; mas - pelo menos, agora - não consegue escrever sobre elas...
Devo dizer, em sua defesa, que este escritor não sabe que se autopublica; ou então não pode admiti-lo - talvez por ego. É que em tempos abordei-o para uma entrevista num blog que projectei e que pretendia divulgar escritores autoeditados, mas ele disse-me logo que não era autoeditado… Torno, contudo, a lembrar que publicar por estas pseudo-editoras é uma auto-publicação. Por isso, posso depreender que o processo de autoedição, a este autor, não fez bem algum e, talvez por ter publicado dois livros - e com um terceiro a caminho - se julgue de grande qualidade... Talvez até lhe tenham dito - alguns dos iluminados dessas tipografias com chancela - que tudo o que é preciso fazer para ser escritor é escrever... E não é mentira nenhuma! Mas depois é preciso que se dê o adequado feedback; coisa que não fazem, porque desde que recebam o deles não querem saber de mais nada...
Por isso, este autor - como muitos outros -, tem conseguido publicar, e alimentar a sua ilusão, porque tem uma grande plataforma social; entre amigos e conhecidos. Umas das grandes jogadas destas tipografias com chancela é dizerem aos autores que não têm de pagar nada; apenas têm de garantir que X volumes se vendam no primeiro mês. Assim, só quem não consegue vender aquele número no primeiro mês é que tem efectivamente de pagar alguma coisa; o que é o mesmo que dizer que só esses sentem que pagaram para ser publicados. Os outros, como é o caso deste autor, que conseguem vender no primeiro mês mais de 300 livros, não sentem isso... No entanto, não se iludam, porque vender 300 livros no primeiro mês - um autor desconhecido, entenda-se - é uma meta impossível numa editora tradicional; a não ser que se seja francamente bom. O que significa dizer que os 300 livros foram vendidos, não por uma questão de qualidade, mas somente por uma questão contratual a que os amigos
do autor acorreram em massa...
Mas é precisamente isto que me deixa perplexo!
Onde estão aquelas pessoas; aqueles amigos e conhecidos que compraram os 300 livros?
Terão gostado do que leram?
Terão sequer lido?!
E agora; lerão, também, os contos que ele escreve e publica para a sua Mailing List?
E, entre tanta gente, não haverá alguém que lhe diga - simplesmente - que aquilo que escreve - agora, pelo menos - não presta?
O ser humano não é uma ilha, e muito menos o é um escritor, mas ter uma rede de escolhos e recifes que impeçam as tempestades de chegar às suas praias, apenas impedirá que a natureza, nessas praias, evolua no sentido de melhor se defender das intempéries. E, um dia, quando houver uma tempestade maior, esta galgará todos esses escolhos, e recifes, e a ilha será engolida pelo mar; mastigada e regurgitada vezes sem conta... Eu cá, se fosse um recife, ou um escolho, começaria a deixar passar uma onda maior, de vez em quando, só para que as praias, dessa ilha que protejo, possam descobrir o que é que precisam de fazer para que o mar não lhes leve a areia.
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