Eu sou livre... Não fumo!
- PJ Vulter
- 4 de jan. de 2019
- 5 min de leitura

Há quatro anos perdi o meu sogro e há quase três perdi o meu pai; e, pelo caminho, perdi uma série de gente que estimava - como se fossem família - e tudo por culpa do tabaco. Foi um cigarro que os matou? Não, mas morreram todos de complicações promovidas pelo uso do tabaco.
Naqueles primeiros tempos, quando via gente nova a fumar cigarros atrás de cigarros, só me apetecia tirar-lhes aquilo das mãos, esmagá-lo com os meus pés e explicar-lhes que se estavam a matar… Mas ainda bem que não o fiz, porque nunca me iriam entender e poderia ter arranjado problemas…
Esta manhã, enquanto estava no café, entretive-me a olhar para os maços de tabaco; dispostos numa prateleira de vidro e ligeiramente acima da linha de visão. Eram de várias marcas, mas todos eles ostentavam uma imagem pérfida, diferentes entre si e alinhadas com a temática de «O tabaco prejudica gravemente a saúde». Olhar para aquilo é o mesmo que olhar para uma feira de horrores: imagens de vidas degradadas; vidas encurtadas; mortes horríveis; amputações; etc.
E uma pergunta formou-se na minha mente: alguém ligará àquilo?
Não o creio…
Além de não ter sentido que o número de fumadores se tivesse reduzido, ainda assisto – e em espanto – a uma nova geração de fumadores jovens; gente a quem não falta informação sobre os malefícios do tabaco. E isto – o que ainda mais me surpreende - após umas quantas gerações que simplesmente baniram o cigarro da sua vida; não gostam e criticam quem fuma.
Também as políticas que entretanto foram implementadas, e que visam proteger quem não fuma, foram positivas. Eu ainda sou do tempo – desculpem, mas já tenho 45 anos – em que se fumava nos restaurantes, cafés e discotecas; em que era impossível ir a um sítio daqueles sem sair com a roupa a cheirar a fumo e com litros de fumo dos outros nos pulmões. Por isso, agradeço imenso esta lei – porque não sou fumador, claro está; só quem vivenciou os loucos anos 90 saberá do que falo e sentirá a diferença.
No entanto, não sinto nem vejo nada de novo no antitabagismo; não sinto que as pessoas estejam mais sensibilizadas para o perigo do fumo ou mais afastadas do tabaco.
E é por isso que acho que há algo de terrivelmente errado com tudo isto.
Porque razão é que as imagens terríveis, dignas de um filme de terror, não desincentivam os novos fumadores?
Que não desmotivem os fumadores até compreendo; mas os novos, aqueles que agora começam, não percebo.
Também não percebo as razões que levam o Estado a hostilizar os fumadores – e não só -, ao obrigar os maços de tabaco a ostentarem aquelas imagens horripilantes sob o epíteto «Fumar prejudica gravemente a saúde», para depois não fazer mais nada. É – na minha opinião - o mesmo que permitirem a venda de armas, alertando de que com elas pode matar alguém; ou liberalizarem o uso de drogas, salvaguardando-se por dizer que o seu uso pode encurtar a vida. Concordo que há determinadas situações em que um Estado apenas pode alertar, mas nenhuma das acima descritas o é. A questão central é a seguinte: se o tabaco é assim tão mau, porque é que permitem a sua venda?
Se não permitem a venda de armas nem a de drogas, porque permitem a venda de tabaco?
Terá que ver com a velocidade com que a morte ocorre?
Afinal o tabaco mata, mas a longo termo e – muitas vezes – a morte vem de outras doenças e não do fumo em si; ainda que o fumo possa ter induzido a aceleração dessas doenças.
Não sei – mesmo – as razões lógicas para isto. No entanto, acho que todas estas medidas falham à partida pela abordagem inócua e iníqua que fazem do problema.
Fumar é um vício. Deveria ser tratado como são tratados todos os vícios, mas não o é. E este não é um problema só do tabaco; também se passa o mesmo com o álcool. Mas o álcool tem um processo de estigmatização social - tal com o uso das drogas – e que indirectamente funciona como dissuasor. Todavia, o tabaco, o fumar, não tem nenhum dissuasor; pelo contrário, tem processos indutores…
«Como?!», perguntarão.
De facto, não há publicidade ao tabaco; e a embalagem de cigarros é tudo menos agradável. Mas a verdade é que nada daquilo que eles dizem que acontece aos fumadores se vê; quando acontece, acontece escondido da vista de todos, nos hospitais, clínicas e nas casas de cada um. E, além disso, o ser humano tem tendência a fechar os olhos ao que não vê no horizonte imediato… Mas isto – da minha perspectiva – somente justifica a atitude dos fumadores; daqueles que já fumam há anos. Mas o que dizer dos novos?
Como chegará o tabaco às novas gerações que têm todas as informações de que necessitam para fazer uma escolha consciente?
E como é que em consciência resolvem fumar?!
A verdade é triste, mas é esta: o tabaco não precisa de publicidade nem de acções promocionais. E não precisa, porque está em todo lado e nas mãos de toda a gente; e aquilo que se vê não é um homem ou mulher amputados, mas pessoas de sucesso, influentes, que se vestem bem, que chegaram a um degrau – imaginário, claro está – a que se almeja. E é assim, através de um processo de associações mentais, distorcidas e mal aspectadas, que os jovens começam a fumar.
Acabar com o fumo não é um processo simples. Precisa de uma ação consertada de educação que começa em casa, e nas escolas, e acaba na própria sociedade; uma campanha de educação que mostre, não só, o mal que o tabaco faz aos nossos corpos, mas também – e principalmente – que se pode ser feliz sem a nicotina e associados.
Como disse, fumar é um vício, e deve ser tratado com tal; pela sociedade, mas também – e primordialmente - pelos próprios fumadores. Por isso, da próxima vez que estiver num jantar, com os seus filhos e os filhos dos seus amigos, estiver a chover tanto que os cães bebam água de pé e fizer um frio de cortar à navalha, pense na imagem que estará a passar às crianças quando se levanta para ir fumar; pense na publicidade gratuita que estará a fazer a um produto que – inexoravelmente – o vai matar. O que acha que uma criança, que – talvez – seja capaz de fazer aquilo que você está prestes a fazer - mas - por um doce, pensará sobre o fumo, ao vê-lo fazer aquilo que ela faria por um bolo?
Seja como for, para realizar uma campanha decente como aquela que referi, com impacto, seria preciso o envolvimento do estado; mas isso não vai acontecer. E não vai acontecer pela mesma razão pela qual o estado faz campanhas inócuas de índole estética que apenas servem para dizer que existem acções antitabagistas: a Industria Tabaqueira é muito poderosa e é muito influente. E, com isto, disse tudo que há para dizer.
Ainda assim – não sei se sabem - nós somos livres e podemos fazer a nossa parte por um futuro sem fumo; em tempos era assim que se faziam as coisas… E eu lembro-me de ser pequenino, inocente como só uma criança pode ser, e de uma t-shirt que tinha – que adorava - e que trazia uma mensagem muito mais importante e verdadeira do que eu poderia, então, conceber; era amarela, num tom desmaiado, e tinha um círculo vermelho vivo; dizia somente:
«Eu sou livre... Não fumo!»
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