A ILHA
- PJ Vulter
- 11 de jan. de 2019
- 3 min de leitura

Correu mundo, há uns tempos atrás, a notícia de que um missionário americano foi assassinado na ilha de Sentinela; situada no oceano Índico e em território Indiano.
Por assassinato entende-se a morte de uma pessoa específica provocada intencionalmente. E, neste caso, foi; mas não só. O que aconteceu foi que os indígenas de Sentinela atacaram o missionário e mataram-no usando as suas armas rudimentares: arco e flecha. No fundo, houve intenção de matar, mas não de matar aquela pessoa em concreto; fosse quem fosse que lá entrasse teria o mesmo destino, porque o que eles querem é defender o seu território. E, segundo consta, já não é o primeiro caso; já mataram antes.
Há quem fale sobre o propósito insensato de missionário; ir espalhar a palavra de Cristo para um local que sabia ser hostil. Saberia?
Vamos acreditar que sim. As notícias dizem que ele fora alertado disso; e – parece-me, pelo que tenho lido – se assim não fosse, a dificuldade que sentiu em encontrar quem lá o levasse, deveria ter-lhe servido de aviso.
Os pescadores que o levaram, deixaram-no ao largo, deram-lhe uma canoa e ficaram a vê-lo; dizem que assim que pôs o pé em terra foi abatido e o corpo foi enterrado na areia da praia.
No entanto… Já algum de vocês ouviu falar desta ilha e deste cenário geopolítico?
Eu não; foi a primeira vez. E há aqui coisas que francamente me surpreendem…
Começo por assumir que respeito o direito à independência dos povos; e à preservação da vida selvagem. E, neste campo, compreendo a posição do estado indiano em se recusar a enviar lá pessoas; não só pela preservação do modo de vida e segurança dos indígenas, mas também pela auto preservação de quem lá fosse. Ainda assim, não posso aceitar – tanto quando cidadão do mundo e ser pensante que sou – que se ignore esta situação; afinal falamos de um povo que assassina todos os estrangeiros. São, efetivamente, uma ameaça.
Dirão que não será assim, porque estão confinados a uma ilha. Não sei… Sabem quantas mais ilhas haverão, por aí, assim?
E supúnhamos que há um naufrágio e que os pobres dos sobreviventes vão dar com essa ilha; o que lhes sucederá?
Não se compreende como é que - em pleno século XXI - um estado, tecnologicamente superior, seja refém de um punhado de homens e mulheres nus com armamento da idade da pedra. Uma coisa é permitir-lhes que habitem a ilha mediante os seus costumes - e modos -, não intervir de forma alguma nos seus assuntos e minimizar ao máximo os contactos; outra coisa é permitir-lhes que matem outros seres humanos e virar a cara para o lado. Porque é isso que o estado indiano faz; vira a cara, e encolhe os ombros, à morte de inocentes…
O povo da ilha de Sentinela tem direito à sua autodeterminação, mas não pode assassinar estrangeiros impunemente. Se as autoridades portuguesas matassem um estrangeiro só porque o mesmo atravessasse as suas fronteiras, não seria aceitável; se o exército americano executasse todos os mexicanos que pulassem o seu muro, era o fim do mundo… E, aqui há uns tempos, antes de 1989 – antes da queda do muro de Berlim –, quando as forças da ex-RDA assassinavam aqueles que ousavam tentar atravessar a terra de ninguém para a ex-FDA, era uma catástrofe. Como podemos, agora, olhar para isto que aconteceu ao pobre do missionário – e não só, afinal não sabemos a quantos isto já sucedeu - impávidos e serenos?
Poderão dizer que o povo de Sentinela vive à margem do mundo, não reconhece a existência do direito internacional e que, por isso, não teremos como lhes impor sanções; ou fazê-los entender que estão a cometer atrocidades…
Discordo inteiramente. Há povos bem inseridos no mundo que cometem atrocidades. Não é o respeito ao direito internacional nem o medo das sanções que nos impede de cometer atrocidades, o que nos impede de cometer atrocidades é o nosso nível civilizacional; e o estado Indiano, ao manter a ilha de Sentinela isolada de influências, ao proteger desta forma insana aquele povo, está a impedi-lo de evoluir enquanto civilização e de ganhar um nível civilizacional suficiente para serem capazes de entender que aquilo que agora fazem – matar todos os transgressores – é inaceitável.
Termino, relembrando que aquilo que se passa na Ilha de Sentinela é errado e que a atitude do estado Indiano - pelo menos, à luz do que nos é dado a saber - é incompreensível...
No entanto, todos falaram - e só - sobre a insensatez do missionário...
Meus amigos, a insensatez do missionário, por muito real que tenha sido, foi apenas um fait divers para abafar a grande questão que se coloca - pelo menos, para mim:
O que é que realmente se passará naquela ilha?
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