top of page

Voando sobre um Ninho de Cucos

  • PJ Vulter
  • 19 de out de 2018
  • 4 min de leitura


Dei, no outro dia, com o artigo «Escritores e Dinheiro»; da autoria de Maria do Rosário Pedreira. O tema do texto estava relacionado com um artigo que saíra num jornal argentino sobre o estado depressivo de muitos escritores europeus. À parte a questão do jornalista ser um cretino – mesmo os cretinos têm direito à sua opinião – Maria do Rosário Pedreira encerra muito bem a questão ao dizer que não é uma conta bancária recheada que faz um bom escritor, mas que passar necessidades também não; e eu acrescento: não passar necessidades, não contar os tostões, é fundamental para a criação artística ou para qualquer outra coisa na vida. É claro que o artigo mencionava as dificuldades financeiras que os escritores enfrentam e é claro, também, que o jornalista - ou articulista, como lhe chama a autora - defendia que os escritores não deveriam ser pagos pelo que escrevem; socorrendo-se, para isso, da opinião de Rodolfo Fogwill (escritor argentino) de que nenhum escritor deveria ser subsidiado pelo que escreve, porque ele não via nenhuma mais-valia em escrever um livro. E, posto isto, terei de perguntar ao jornalista: de que viveria ele se ninguém quisesse saber das suas opiniões; se alguém agora viesse dizer que não via nenhum valor nelas?!


Ainda para mais, as opiniões do articulista - aparentemente - fundamentam-se em critérios mal arrumados e ultrapassados, porque citar, hoje, Faulkner parece-me profundamente desajustado; e não só porque os tempos de Faulkner eram os tempos de Faulkner, mas porque não podemos ver um escritor como uma entidade única. Existem diversos tipos de escritores, como existem diferentes tipos de engenheiros; e se dizer que todos os engenheiros têm as mesmas necessidades e são iguais é algo que – para todos – parece de imediato insustentável, o mesmo se pode dizer para os escritores.


Parece-me também que é bem provável que o articulista que escreveu o artigo não goste de ler, seja uma pessoa cinzenta, amante dos números e factos, incapaz de imaginar algo para além do que está a fazer naquele momento...


Mas o que mais me revoltou não foi o texto cretino do articulista; até porque a Maria do Rosário Pedreira respondeu-lhe muito bem e isso saciou-me a fome de vingança. O que mais me queimou as entranhas foram as cretinices - sob a forma de comentários - que vinham depois do texto de Maria do Rosário Pedreira.


Passando por cima do detalhe do que foi dito, e que sucintamente descreve o escritor como uma pessoa que escreve umas coisas para passar o tempo - e que como tal se deveria contentar com palmadinhas nas costas; creio que existem algumas confusões que é importante esclarecer.


Primeiro: não é escritor quem escreve notícias, sentenças, artigos de opinião ou artigos publicitários. Estas pessoas têm a escrita como ferramenta de trabalho, mas não são escritores. Um escritor escreve livros, contos, novelas e – até concedo - biografias; é alguém que conta, através da escrita, histórias.


Segundo: o que é um livro?


Um livro é um produto que tem por base uma história escrita por um escritor; logo, não são livros, as colectâneas de crónicas produzidas para um jornal ou revista, as agregações de textos publicados em blog, as coleções de receitas de culinária, a lista de esquemas para fazer brinquedos em papel…


Da mesma forma, não são escritores aqueles que titulam, como autores, as obras cima mencionadas; mas a bizarria é tal que existem apresentadores de televisão a designarem-se de escritores porque criaram uma colectânea sobre brinquedos do tempo dos nossos avós…


Atenção: tenho noção de que isto é uma visão pessoal destes conceitos. Mas gostaria que me concedessem algum espaço, porque usando esta visão não se fazem estas nefastas confusões.


Dito isto, gostaria de explicar que se os escritores apenas escrevessem umas coisas para passar o tempo, não haveriam livros. Não haveriam livros, porque os escritores escreveriam umas coisas para passar o tempo e, passado esse tempo e escritas essas coisas, guardariam tudo isso num sítio qualquer e passariam a escrever outras coisas para passar outros tempos.


Gostaria de explicar, também, que se os escritores escrevessem umas coisas para passar o tempo, o mais provável é que nem sequer existissem escritores, porque a maioria dos escritores luta para ter tempo para escrever, esforça-se para gerir a sua rotina para que consiga ter tempo para se sentar e produzir textos…


Então? Serão os escritores mentecaptos? Sofrerão os escritores de alguma esquizofrenia? Terão os escritores algum problema mental?


Se assim for, então eu serei um mentecapto esquizofrénico com alguma paranóia mal aspectada, porque – como disse no meu artigo da semana passada «Escritores Fantasma» – levanto-me todos os dias à 6 de manhã para poder ter cerca de 3 horas para escrever pela matina; e anseio por chegar a casa e trabalhar mais um pouco… Não consigo, contudo, porque como todos acham que tudo o que eu preciso, a troco disto, é de umas palmadas nas costas - e atenção, porque eu nem palmadinhas nas costas tenho - vejo-me obrigado a trabalhar durante 8 horas e depois dessas 8 horas não tenho energia para mais nada; a não ser mexer os olhos.


A questão - atualmente - vai para lá da discussão da existência de subsídios, porque o que hoje importa, cada vez mais, é reconhecer o direito ao escritor de viver dignamente daquilo que melhor produz; a sua literatura. E a discussão, aqui, seria longa; mas não me pretendo alongar. Ainda assim, deixo a questão em aberto, porque pergunto, fazendo eco do que Maria do Rosário Pedreira diz - e muito bem: se na cadeia de produção do livro todos são profissionais, porque não o é, também, o escritor?


Os escritores têm de ser respeitados - essencialmente, respeitados - pelo trabalho que fazem. São pessoas que investem anos da sua vida na construção de histórias que enriquecem o mundo; precisam de muito mais do que palmadas nas costas…


Estou certo de que todos aqueles que escrevem, e que gostam e ler, me compreenderão…


Quando aos outros...


Bom, quanto a esses, muito mais haveria para lhes dizer. Mas não tenho tempo... E - sinceramente - duvido que entendessem alguma coisa; dada a pequenez das suas mentes...


Comentários


Posts Recentes
Arquivo
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
bottom of page